Vários teólogos judeus e gentios através dos tempos aplicaram o princípio do dia profético às setenta semanas descrita em Daniel capítulo 9. Entre eles, o hebreu Rashi (1040-1105 d.C.), que traduziu Daniel 8:14 da seguinte maneira: “E ele disse-me: Até 2300 anos”. Esse princípio tem sido reconhecido e aceito em todo o mundo durante séculos. Não procede a insinuação de que seja uma inovação adventista.
E qual é a base bíblica para dizer que 2300 dias são na verdade 2300 anos? Os versos de Números 14:34 e Ezequiel 4:4-7, que dizem respectivamente: “(…) quarenta dias, cada dia representando um ano.” “(…) Quarenta dias te dei, cada dia por um ano.”
O Antigo Testamento demonstra outras relações entre as palavras dia e ano; em alguns casos, embora as traduções usem a palavra “ano“, no original hebraico encontra-se a palavra “dia“. Por exemplo, em Êxodo 13:10 é utilizado a expressão “de ano em ano“, enquanto no texto original consta “de dias em dias“: “Portanto, guardarás esta ordenança no determinado tempo, de ano em ano [de dias em dias]” (Êxodo 13:10). O mesmo ocorre em I Samuel 27:7: “E todo o tempo que Davi permaneceu na terra dos filisteus foi um ano [dias] e quatro meses.” (cf I Samuel 1:21).
Em hebraico a palavra geralmente usada para especificar o período de um “ano” é “shanah” (pl. shaneh), porém, nestes versos a palavra “dias” (yowm) foi utilizada, demonstrando uma ligação direta e representativa de “ano“. E por que esse princípio deve ser aplicado nas profecias do livro de Daniel, especialmente nos capítulo 8 e 9?
Daniel capítulo 9 declara que “desde a saída da ordem para restaurar e edificar Jerusalém até o Ungido”, se passaria sessenta e nove semanas. A ordem para essa edificação se deu em 457 a.C.; isso significa que a partir dela até o Ungido (batismo de Jesus Cristo, 27 d.C) haveria 483 anos, e profeticamente, isso corresponde exatamente a 69 semanas.
Considerar 69 semanas literalmente como 483 dias, o que equivale a “1 ano, 4 meses e 3 dias“, obrigatoriamente deveria-se aceitar que esse seria o intervalo de tempo entre a restauração de Jerusalém e o batismo de Jesus. Esse procedimento de contagem literal é totalmente impróprio, tornando a profecia sem fundamento histórico e bíblico. O princípio do dia profético precisa ser aplicado a esta profecia, ou a mesma torna-se sem sentido.
O princípio do dia profético se enquadra perfeitamente em uma parte da profecia (70 semanas), não seria lógico que fosse usado com sucesso na outra parte também? Não apenas lógico, mas, extremamente necessário. Aplicando o princípio do dia profético às 70 semanas, temos 490 anos, ou seja, 176.400 dias. Como poderíamos separar ou subtrair 176.400 dias de 2.300 dias? Impossível! A única maneira das 70 semanas serem separadas, cortadas ou subtraída é aplicando o princípio do dia profético também aos 2.300 dias. De outra forma, seria como tentar medir dois metros em três centímetros.
Outra prova a favor da aplicação do dia profético aos 2.300 dias é a análise contextual de Daniel 8:13 que diz: “(…) Até quando durará a visão do sacrifício diário e da transgressão assoladora, visão na qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados?”
Daniel 8:13 da ênfase com relação ao término dos eventos que ocorrem no período profético das “2300 tardes e manhãs”. A palavra visão “chazown” refere-se nesse contexto a revelação (visão profética) e abrange os acontecimentos preditos em sua totalidade, dentre eles: A entrega do santuário e seu sacrifício diário, a transgressão assoladora, perseguição aos filhos do Altíssimo e a mudança na Lei de Deus (cf Daniel 7:25). A pergunta feita em Daniel 8:13 (“até quando?”) refere-se ao término de tudo que foi descrito na visão (chazown). E a resposta foi: “Até 2300 tardes e manhãs“; que correspondem a 2300dias, e estes por sua vez equivalem, profeticamente, a 2300 anos.
Essa profecia abrange o período dos impérios Babilónico, Medo-Persa, Grego e Romano. Se fossemos nos basear que 2300 dias não correspondem a 2300 anos, isso significaria que 2300 dias equivalem literalmente a 6 anos, 3 meses e 20 dias. Como poderia esta contagem de tempo, literal, incluir esses impérios descritos na profecia? Impossível. Só o império Medo-Persa durou 208 anos, muito tempo para encaixar-se em apenas 6 anos. Portanto, faz-se necessário o uso do princípio profético que envolve mais de dois milénios, tempo suficiente para abranger todos os impérios e eventos relatados por Daniel.
Outro fato a ser considerado: Embora a profecia inicie com nações que existiram há milhares de anos, foi dito a Daniel que a visão se estenderia até o “tempo do fim”. Como poderia um período de “6 anos” cobrir todos os eventos até o até o “tempo do fim”? Sem o dia profético, a profecia não poderia estender-se tanto. Novamente a proporção de “1 dia para cada 1 ano” revela-se válido, preciso e coerente.
UM TEMPO, DOIS TEMPOS E METADE DE TEMPO“Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo.” (Daniel 7:25)
Em Daniel capítulo 7 é citado um poder que é representado por um “chifre pequeno” e este reinou de forma soberana entre as nações. Ele é o mais detalhado, e o motivo para isso é apontado no verso 25. Após o fim do Império Romano Ocidental, em 476 d.C, sua instituição religiosa (Igreja Romana) permaneceu atuante. E, em 538 d.C., entra em vigor o decreto do imperador romano Justiniano declarando que o bispo de Roma deveria ser reconhecido como o líder da “Santa Igreja”, e assim, a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) além de elevar seu poder religioso recebeu poderes políticos.
Daniel descreve que esta igreja, representada pelo “chifre pequeno”, teria domínio por “um tempo, dois tempos e metade de um tempo.” (Daniel 7:25). “Um tempo” (‘iddan) equivale a “360 dias” e a somatória de “um tempo, dois tempos e metade de um tempo” resulta em “1260 dias“, que, pelo princípio do dia profético correspondem a “1260 anos“. Portanto segundo a profecia de Daniel 7:25 o período de supremacia religiosa e política da Igreja de Roma seria de 1260 anos. Período em que ela dominou reinos e reis, e impôs seus ensinos doutrinários de forma ferrenha.
Contando 1260 anos a partir de 538 d.C., chega-se a 1798 d.C. E os registros históricos descrevem que em fevereiro de 1798, sob a alegação de insulto ao embaixador francês na Itália, Louis Alexandre Berthier, general das Forças Revolucionárias Francesas e chefe do Estado maior de Napoleão invadiu Roma; e em 20 de fevereiro o Papa Pio VI foi aprisionado. O anel que indicava sua autoridade lhe foi retirado, sua propriedade foi confiscada e vendida; o “Estado Papal” foi abolido e Roma foi declarada república. O Papa foi levado para a França, onde morreu preso em Valença no dia 29 de agosto de 1799. Esse episódio pôs fim ao longo período de supremacia do bispo de Roma.
E se o princípio do dia profético não fosse aplicado? Nesse caso os “1260 dias” seriam calculados de forma literal e resultariam em “3 anos e 6 meses“. Deste modo seria impossível para o poder da Igreja de Roma (representado pelo “chifre pequeno”) desenvolver todos os eventos descritos nas profecias em um período ínfimo de tempo. Enfatizando que a supremacia desse poder religioso se estenderia até o “tempo do fim”, quando Deus Se assentou para julgar e definir o Seu reino. O capítulo 13 de Apocalipse descreve, também, esse tempo de hegemonia política e religiosa:
“Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfémias e autoridade para agir quarenta e dois meses; e abriu a boca em blasfémias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu.” (Apocalipse 13:5-6)
À semelhança de Daniel, João utiliza de linguagem profética para descrever o tempo de domínio imposto pela Igreja Romana ao mencionar 42 meses. Levando em consideração que cada mês possui “30 dias” temos: 42 meses x 30 dias = 1260 dias. E, pelo princípio do dia profético, “um dia” correspondendo a “um ano”, tem-se os 42 meses equivalentes a 1260 anos. O mesmo período descrito em Daniel 7:25. Será que a Igreja Romana (ICAR) teve domínio político e religioso, literalmente, por 42 meses (3 anos e 6 meses)? De modo algum. “3 anos e 6 meses” não são suficientes para estender-se da fase inicial de “Roma Papal” (538 d.C.) até o seu término, o “tempo do fim” (1798 d.C.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O capítulo 7 do livro de Daniel está cheio de símbolos: um leão, um urso, um leopardo com asas, chifres que falam, todos simbolizando coisas diferentes. E em meio a tantos símbolos, por que somente as descrições de tempo seriam literais? Especialmente por ser descrito de maneira tão estranha? Daniel capítulo 8 também é uma visão com imagens simbólicas, e ambos os capítulos, não apresentam profecias sobre animais, mas eventos proféticos que descrevem a história da humanidade. Não seria de se esperar que o fator tempo apresentado neles também fosse simbólico, em vez de literal? Além do mais, “tardes e manhãs” (arab e boqer) não é maneira comum de descrever dias. A palavra típica para dias na Bíblia é “yowm“.
Não seria mais simples ter dito: “Até seis anos, três meses e vinte dias, e o santuário será purificado”, em vez de “2300 tardes e manhãs”? O verso de Daniel 8:14 não traz a forma típica de indicar o tempo. Em II Samuel 5:5, por exemplo, é dito que o rei “reinou sobre Judá sete anos e seis meses”, e não 2700 “tardes e manhãs”. Até mesmo as “setenta semanas” de Daniel não são uma forma comum de expressar tempo. Diante desses fatos nota-se claramente a validade do dia profético nos capítulos 7, 8 e 9 do livro de Daniel; eles simplesmente perdem o sentido sem o uso desse princípio.
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Texto proveniente e adaptado do artigo: “O Princípio do Dia Profético”, Revista Adventista, (Março, 1999), p. 32-33.
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