As datas podem falhar, mas a mensagem do segundo advento continua vigente, até que se cumpra conforme as Escrituras.
“O dia não sei do regresso do esposo…”1 são as palavras do hino evangélico entoado com fervor e resignação, pois embora saibamos que o Senhor Jesus cumprirá a Sua promessa de retornar à Terra (João 14:1-3), não sabemos quando isso acontecerá. Contudo, alguns crentes, perturbados com a aparente demora da vinda do Salvador, tentaram em muitas ocasiões determinar um dia para a ocorrência da parousia.2
Diversas especulações sobre a segunda vinda de Cristo e do fim do mundo têm surgido no decorrer da era cristã, gerando significativas angústias apocalípticas. Ao se buscar um referencial histórico para determinar quando elas iniciaram, percebe-se que a ideia do fim do mundo remonta aos primórdios da humanidade, associado “ao medo de que o sol não mais ressurgisse na primavera, ou sequer no alvorecer”.3
Expectativas.
Após Jesus ter pronunciado Seu sermão profético, os discípulos, refletindo preocupação com o tempo, Lhe disseram: “Dize-nos quando sucederão estas coisas e que sinal haverá da Tua vinda e da consumação do século” (Mt 24:3). No Monte das Oliveiras, pouco antes de Jesus ascender ao Céu, eles externaram mais uma vez a mesma preocupação e Lhe perguntaram: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1:6). Porém, o Mestre os dissuadiu de enveredar por vãs especulações sobre o tema (v. 7).
Em Tessalónica, os recém-convertidos cristãos acreditavam que o segundo advento de Cristo ocorreria em seus dias, e que as bênçãos desse evento seriam desfrutadas somente pelos vivos. Cada cristão que morria significava profunda tristeza para eles. Ao ser informado por Timóteo sobre o que estava ocorrendo, Paulo procurou tranquilizá-los enviando-lhes uma carta.
As palavras do apóstolo em 1 Tessalonicenses 4:16,17 foram mal compreendidas naqueles dias. Ele usou o pronome “nós”, referindo-se aos vivos por ocasião do segundo advento de Cristo e os tessalonicenses entenderam que a parousia ocorreria antes da morte deles. Uma vez que Cristo estava prestes a voltar, alguns até mesmo deixaram de trabalhar e passaram a viver da caridade da igreja (2Ts 3:6-12). Foi para esclarecer o assunto que Paulo escreveu a segunda carta (2Ts 2:1).
Muitos cristãos dos primeiros séculos anteviam o segundo advento de Cristo como um apocalipse iminente, e consideravam que esse seria um acontecimento associado à destruição de Roma. Quando a invulnerabilidade da cidade começou
a se mostrar incerta, a perspectiva da destruição universal começou a ganhar realismo aterrador. Depois que os godos aniquilaram o exército imperial em Adrianópolis, em 378, Santo Ambrósio, de Milão, que identificava os godos com o Gogue citado por Ezequiel, proclamou: “O fim do mundo se aproxima de nós.”4
Mais tarde, a chegada do ano 1000 foi marcada por pressentimentos de que algo inusitado estava prestes a ocorrer. À meia-noite de 31 de dezembro de 999, o Papa Silvestre II celebrou na Basílica de São Pedro o que ele e muitos fiéis pensavam ser a última missa da História. Com base em Apocalipse 20:7, 8, erroneamente concluíam que o fim do mundo ocorreria quando Satanás fosse solto de sua prisão, mil anos após o nascimento de Jesus.5
Alguns séculos mais tarde, importantes figuras da Reforma protestante especularam também sobre o momento em que essa expectativa escatológica se cumpriria. Embora Lutero nunca tivesse fixado uma data específica para o fim do mundo, de acordo com Froom, o reformador do século 16 conjecturou sobre alguns períodos, às vezes 400, 300 ou 200 anos e mesmo para os seus dias, a partir de estimativas especulativas, mantendo algum resquício do método alegórico.
“Até mil irás”
A proximidade do ano 2000 gerou significativa proliferação de profecias e novas especulações sobre o que a tradição apocalíptica denomina “os dias finais”. O misticismo envolvido fez ressurgirem as profecias de Nostradamus (1503-1566).6 O alegado cumprimento dessas profecias e o dito popular: “Até mil irás, de dois mil não passarás” soaram como vaticínios escriturísticos na mente dos mais simples, deixando uma sombra de inquietude nos mais letrados.7 Apesar de o ano 2000 ter chegado e o novo milénio ter-se iniciado sem que as previsões se cumprissem, a tendência alarmista prosseguiu.
A proximidade do ano 2000 gerou significativa proliferação de profecias e novas especulações sobre o que a tradição apocalíptica denomina “os dias finais”. O misticismo envolvido fez ressurgirem as profecias de Nostradamus (1503-1566).6 O alegado cumprimento dessas profecias e o dito popular: “Até mil irás, de dois mil não passarás” soaram como vaticínios escriturísticos na mente dos mais simples, deixando uma sombra de inquietude nos mais letrados.7 Apesar de o ano 2000 ter chegado e o novo milénio ter-se iniciado sem que as previsões se cumprissem, a tendência alarmista prosseguiu.
A ameaça de guerra nuclear inspirou passeatas estudantis, assembleias de oração e até uma “maratona de ciclismo”. Livros com pretensa autoridade bíblica em matéria de profecias de desgraças são vendidos aos milhões. Multidões correm aos cinemas para assistir a filmes que especulavam e ainda especulam, como é o caso do filme 2012, que prevê o fim do mundo para esse ano, sobre as possibilidades de destruição e salvação, seja por uma vinda do Messias ou uma guerra global, seja por viagens de fuga para galáxias distantes.
À medida que os anos foram se passando, a ideia de um futuro apocalipse para os homens também assumiu outras formas. Uma delas, segundo Friedrich,8 é a possibilidade de uma “catástrofe natural – uma nuvem sufocante de ar poluído, um terremoto sob uma usina atómica, o derretimento das calotas polares, que hoje inspira livros, filmes, previsões astrológicas e jornais clandestinos”.
No último século, observou-se grande expectativa quanto ao dia da vinda de Cristo, relacionando-o a um novo elemento doutrinário surgido: o chamado “arrebatamento secreto” da igreja. Com base nesse ensinamento, grande parte dos cristãos viu no fato histórico da criação do Estado de Israel, em 1948, uma prova de que o fim do mundo se aproximava. Atualmente, alguns têm adoptado posições radicais e extremistas, chegando a provocar acontecimentos que vão desde a espera por uma nave espacial até suicídios coletivos.
Diferentes denominações cristãs têm enfrentado dificuldades com alguns de seus membros que insistem em marcar um tempo específico para a segunda vinda de Cristo e para o fim do mundo. Quando passa a suposta data, esses indivíduos não apenas caem no descrédito, mas causam opróbrio às respectivas denominações e geram descrença na mensagem do segundo advento.
Atitude coerente.
As datas podem falhar, mas a mensagem do segundo advento continua vigente, até que se cumpra conforme as Escrituras. O cristão que aguarda a segunda vinda de Jesus, o fim da era do pecado e o início de um mundo melhor, necessita desenvolver atitude equilibrada. Sempre deve ter em mente a realidade de que Jesus em breve voltará, e assim desenvolver um estilo de vida elevado, revelador do fruto do Espírito. Com a convicção da proximidade desse evento, o cristão aproveitará todas as oportunidades para advertir, exortar e animar as pessoas no sentido de que atentem para o futuro eterno que Deus tem preparado para “aqueles que O amam” (1Co 2:9).
Tal senso de iminência ( Ap 22:7, 12, 20) é indispensável para que a esperança não esfrie produzindo apatia e mornidão espirituais (Mt 24:48-51; Rm 13:11, 12). O cristão sensato evitará marcação de datas, rejeitando a ideia de que essa seja a única forma pela qual as pessoas podem deixar a frieza, a passividade, a indiferença e a inatividade missionária. O equilíbrio deve ser mantido entre o desejo pelo Reino do Céu e a submissão humilde ao cronograma divino, pois tudo acontecerá “na plenitude dos tempos” (Gl 4:4) e em conformidade com os sábios desígnios e propósitos de Deus.
Quando surgem tendências especulativas e alarmistas, convém lembrar que “as coisas encobertas pertencem ao Senhor” (Dt 29:29), e atentar para as palavras de Cristo: “A respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos Céus, nem Filho, senão somente o Pai” (Mt 24:36).
Referências:
1 Hinário Adventista, hino nº 141.
2 Parousia: Palavra grega que significa presença, aparecimento, mas também é usada no grego secular por ocasião da visita de um rei ou imperador. Das 20 vezes em que aparece no Novo Testamento, em 15, a palavra se refere ao segundo advento de Cristo.
3 Otto Friedrich, O Fim do Mundo (Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, 2000), p. 14.
4 Ibid., p. 33.
5 C. Marvin Pate, Calvin R. Hanes Jr., Doomsday Delusions (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1995), p. 19. Jon Paulien esclarece que “a visão popular em torno do ano 999 parece ter tido sua origem em passagens isoladas encontradas
em documentos publicados desde o fim do século 16 até a primeira parte do século 19” (“The Millenniuum is Here Again: It is Panic Time”, em “Andrews University Seminary Studies, 1999, v. 37, p. 167, 169, 173).
6 Michel de Notredame (Nostradamus é o equivalente latino), judeu convertido ao cristianismo, além de médico, dedicou-se à astrologia. Sua fama se deve ao livro Centúrias, escrito em 1555, que contém uma série de profecias em versos.
7 Edna Dantas e Eduardo Marine, IstoÉ, 08/05/96, p. 118-123.
8 Otto Friedrich, Op. Cit., p. 12.
Alceu Lúcio Nunes – Editor associado na Casa Publicadora Brasileira. Texto publicado na Revista Ministério, Jan/Fev/2012.
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