Para começar, desejo enfatizar a natureza simbólica das
visões que Deus deu a João, "para mostrar aos seus servos as coisas que em
breve devem acontecer" (Apoc. 1:1; também 4:1; 17:1; 21:9; 22:1, 6, 8). A
linguagem apocalíptica não deve ser limitada às descrições literais da nossa
moderna sociedade tecnocrata. Antes esta linguagem exige que determinemos o que
simboliza. Tomar as descrições visionárias como realidades literais, da mesma
maneira que os livros de Génesis e Êxodo descrevem história, é um mal-entendido
básico da intenção de João. Não obstante, os comentadores que apoiam o sistema
futurista de interpretação supõem simplesmente que, as 4 primeiras trombetas
descrevem colisões repetidas de meteoros ou asteróides com a terra. As visões
de João exigem que perguntemos: Onde e como usa o Antigo Testamento estes
quadros em sua perspectiva profética? Rechaçamos tanto os princípios do
literalismo como os do alegorismo para a linguagem apocalíptica do livro porque
são enfoques especulativos. Está mais em harmonia com o pensamento bíblico, ver
as trombetas como juízos do pacto sobre os que quebrantam o pacto. João usa a
linguagem e os símbolos do pacto, não descrições seculares e de adivinhação.
Na era da igreja, Cristo executa os juízos preliminares
sobre as fortalezas do reino das trevas. O som de trombeta era um símbolo
familiar de guerra santa (ver Núm. 10:9; Sof. 1:16; Jer. 4:5, 19, 21; Ezeq.
7:14).
As trombetas descrevem Cristo como o Leão da tribo do Judá
(Apoc. 5:5) ou o Guerreiro santo, começa a enviar os seus juízos preliminares.
Usa os agentes tradicionais da guerra santa, tais como o fogo, o granizo, a
espada, as pragas, o escurecimento dos céus, as lagostas e os escorpiões, um
terramoto, e até anjos caídos, porque tudo permanece sob o seu domínio
soberano. Nas trombetas, Cristo põe em atividade uma série de juízos de
admoestação.
A aplicação histórica das trombetas é notoriamente difícil e
discutível. A maioria dos comentadores se abstém de fazer qualquer aplicação
concreta à história. Não obstante, estamos obrigados a identificar as
realidades históricas às quais se referem as trombetas de guerra. O nosso guia
mais seguro é a profecia mestre de Jesus em Mateus 24, que está apoiada no
esboço apocalíptico do Daniel (ver Mat. 24:15).
Jesus se refere especificamente aos juízos messiânicos sobre
Jerusalém e Judeia por meio do exército romano entre os anos 66 e 135 d.C. (ver
Mat. 24:15-21; Luc. 21:20-24). Paulo aplicou as profecias de Daniel concernentes
ao quarto império mundial a Roma imperial, a que seria removida como "o
que impede" ou "o que o freia" antes do surgimento do anticristo
(ver 2 Tes. 2:7). Paulo esperava que o anticristo se revelasse posteriormente
dentro do templo de Deus, só para ser julgado e destruído na vinda de Cristo (2
Tes. 2:4, 8).
Tanto Jesus como Paulo indicaram os juízos vindouros de Deus
na era cristã. Como o Senhor soberano da história, Cristo usa os governantes
terrestres como seus instrumentos de castigo, assim como Deus tinha usado antes
os reis de Assíria (Isa. 10:5, 6), de Babilónia (Jer. 25:8-11) e da Pérsia
(Isa. 44:28; 45:1) como seus instrumentos. Ao mesmo tempo, os profetas
anunciaram que Deus também julgaria e castigaria as nações que tinha usado
porque tinham excedido os limites assinalados por Deus com crueldades e
vangloria idólatras (Isa. 10:5-7, 12; Jer. 25:15-26; 51:47-49, 55, 56; Dan.
5:24-28).
O estilo de Deus para executar justiça deve começar com o seu
próprio povo do pacto ("começarão por meu santuário", Ezeq. 9:6).
Jeremias declarou que a taça da ira divina seria derramada primeiro sobre o
Israel rebelde:
"Porque se na cidade que leva meu nome comecei o
castigo, vós ides ficar impunes? [as nações gentias inimigas]. Não ficareis
impunes, porque eu reclamo a espada contra todos os habitantes do mundo,
oráculo do Senhor dos exércitos" (Jer. 25:29, NBE; ver também Amós 3:2 e
Miq. 3:12).
O Antigo Testamento descreve quão terrivelmente sofreram
Jerusalém e todo o Israel quando o exército de Babilónia destruiu finalmente
Jerusalém e seu templo no ano 586 a.C. (2 Crón. 36:15-19; Lam. 4:11). O mesmo
juízo foi predito por Daniel para o templo reconstruído de Jerusalém, esta vez
pelo pecado supremo de expor o Messias a uma morte violenta (Dan. 9:26, 27).
Isto se cumpriu, de acordo com a aplicação do Jesus, quando o exército romano
destruiu a cidade e o templo no ano 70 d.C. e continuou devastando a terra do
Israel até que a rebelião de Bar-Koba foi sufocada em 135 (Mat. 23:32, 37-39;
24:1, 2, 15-21; Luc. 19:41-44; 21:20-24).
Jesus tomou uma imagem de juízo de Ezequiel que também forma
parte do simbolismo da trombeta: "Porque se à árvore verde fazem isso, que
se fará à árvore verde?" (Luc. 23:31). Ezequiel anunciou que o Deus do
Israel acenderia um fogo [em Jerusalém] "o qual consumirá em ti toda
árvore verde e toda árvore seca" (Ezeq. 20:47). Jesus usou este simbolismo
da árvore para anunciar o juízo iminente sobre Jerusalém. A metáfora das
"árvores" representa claramente o povo, e se aplica em particular aos
israelitas (tanto no Ezeq. 20 como no Luc. 23:31). David Aune o explica assim:
"Se Jesus, que é inocente, está a ponto de ser executado, quanto mais
aqueles que são culpados (os judeus que rechaçaram a Jesus) pagam essa
penalidade".1
A Primeira Trombeta
Aplicada à História
A primeira trombeta anuncia "saraiva e fogo misturados
com sangue" que foram lançados sobre a terra e queimaram uma terça parte
das árvores e de erva verde (Apoc. 8:7). Esta combinação irreal de sangre com
granizo do céu assinala uma descrição simbólica dos juízos de Deus sobre os
primeiros perseguidores do Israel messiânico.
No seu discurso profético, Jesus começou por informar os
seus discípulos a respeito de "guerras e rumores de guerras" (Mat.
24:6), mas na seção paralela descreveu a queda de Jerusalém e as aflições do
povo judeu (vs. 15-19), junto com a aflição do povo messiânico de Deus (vs. 20,
21). Quando João escreveu o Apocalipse, ainda não tinha terminado a guerra de
Roma contra os judeus. O exército romano às ordens do Trajano e Adriano
continuaram desolando a Judeia até ao ano 135, quando 50 cidades e 985 povos
foram destruídos e despovoados. João Wesley comenta sobre a primeira trombeta o
seguinte: "Dessa forma, a vingança começou com os inimigos judeus do reino
de Cristo".2
Jesus tinha declarado: "Eu vim para lançar fogo sobre a
terra" (Luc. 12:49). Para ele, uma figueira estéril que estava no caminho para
Jerusalém representava a nação judia. O Seu ato simbólico de lhe lançar uma
maldição (Mat. 21:19) funciona como um tipo do simbolismo da árvore na primeira
trombeta. Tanto os dirigentes como os seus seguidores foram tidos como responsáveis
por sua incredulidade ao Cordeiro que Deus tinha enviado a Israel. Cristo
advertiu: "E te derribarão, a ti e a teus filhos que dentro de ti
estiverem, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, pois que não conheceste o
tempo da tua visitação" (Luc. 19:44).
A Segunda Trombeta
Aplicada à História
A segunda trombeta descreve como "[algo] como um grande
monte envolto em fogo foi arrojado ao mar", causando que uma terceira
parte do mar se convertesse em "sangue", destruindo os seres vivos
que estavam no mar e as naves (Apoc. 8:8, CI). Esta representação simbólica
("algo parecido") toma suas imagens da queda de Babilónia descrita em
Jeremias 51; Deus julgou a antiga Babilónia por "todo o mal que eles
fizeram a Sião" (Jer. 51:24).
"Eis que sou contra ti, ó monte que destróis, diz o
Senhor, que destróis toda a terra; estenderei a mão contra ti, e te revolverei
das rochas, e farei de ti um monte em chamas" (Jer. 51:25).
Assim o "destruidor" (Babilónia) seria destruído
pelo Deus de Israel, ao ser arrojado no mar. Os "montes" foram usados
no Antigo Testamento como símbolos de nações (ver Isa. 2:2, 3; 11:9; 13:4;
41:15; Dan. 2:35, 44, 45; Ezeq. 35:2, 7, 8; Zac. 4:7). Jon Paulien observou o
seguinte:
"Em passagens que se referem a juízo, montes que
representam nações sempre são o objeto dos juízos de Deus, nunca os agentes de
seus juízos (Isa. 41:15; 42:15; Ezeq. 35:2-7; 38:20; Zac. 4:7)".3
Depois do ano 70, tanto judeus como cristãos viram em Roma
imperial uma nova "Babilónia", porque Roma, como Babilónia, tinha
destruído o templo e Jerusalém (4 Esdras 3; 2 Baruque 10-11; 1 Enoc 18). Pedro
inclusive menciona "Babilónia" como um nome misterioso para Roma (1
Ped. 5:13). O segundo toque de trombeta anuncia o juízo de Cristo sobre o monte
ardente ou império de Roma. Depois da queda de Jerusalém veio a queda de Roma.
João descreve a queda de Babilónia do tempo do fim com uma imagem similar:
"Então, um anjo forte levantou uma pedra como grande
pedra de moinho e arrojou-a para dentro do mar, dizendo: Assim, com ímpeto,
será arrojada Babilónia, a grande cidade, e nunca jamais será achada. ... E nela se achou sangue de profetas, de
santos e de todos os que foram mortos sobre a terra" (Apoc. 18:21, 24).
Este paralelo notável entre a segunda trombeta e Apocalipse
18 assinala o mesmo motivo dos juízos: o clamor dos santos martirizados! Diz
Paulien:
"O mar que se converte em sangre na segunda trombeta
representa provavelmente uma completa mudança proléptica da perseguição do povo
de Deus pelos ímpios mencionados em Apocalipse 16:4-6 (cf. 18:24). Recebem isso
em pago pelo que têm feito".4
A segunda trombeta indica que tanto o monte como o mar são
julgados, "converteram-se em sangue". O "mar" era um
símbolo corrente para os povos da terra (Isa. 57:20; 17:12, 13; Jer. 51:41, 42;
Dan. 7:2, 3, 17). Dessa maneira, a segunda trombeta anuncia não só a queda de
Roma mas também a devastação de sua ordem social e económica: "E morreu a
terça parte da criação que tinha vida, existente no mar, e foi destruída a
terça parte das embarcações" (Apoc. 8:9).
A Terceira Trombeta
Aplicada à História
A terceira trombeta anuncia que "uma grande
estrela" chamada "Absinto" cairia do céu ardendo como uma