14 de maio de 2009

O PRICIPIO DIA/ANO

É bíblico o princípio dia/ano ou é uma invenção Adventista imposta à Bíblia? O estudo dos textos é evidente que não há outra forma de compreender o períodos proféticos se esse princípio for ignorado. Por outras palavras, para a correta interpretação profética, é imperativo o emprego desse princípio. E sendo as coisas assim, é mais que justo encontrar nas próprias profecias evidências suficientes que fundamentem não só o princípio, mas também o emprego dele. E é o que o contexto demonstra.

Tempo profético
Daniel 7 e Daniel 8. A pergunta ao fim da primeira nota é muito pertinente: “Que justificação temos para supor que esses períodos não são literais, mas proféticos, e que devemos usar o princípio dia/ano ao interpretá-los?”

Bem, só há um modo de interpretar os períodos como referindo-se a tempo literal e não simbólico: se o preterismo ou o futurismo fossem critérios correctos de interpretação profética. O primeiro afirma que as profecias se cumpriram no passado, no tempo do escritor, ou próximo. Por outras palavras, o preterismo não admite o cumprimento profético no transcurso dos séculos, como é assumido pelo historicismo, e, portanto, segundo esta linha interpretativa, as profecias não abarcam grande extensão de tempo. Os três tempos e meio de Daniel 7:25, por exemplo, são 3½ anos literais, que transcorrem no tempo dos Macabeus, quando Antíoco Epifânio reinava na Síria.

O futurismo, como o termo indica, afirma que a maior parte das profecias se cumprirá num futuro próximo. Assim, como é aceite que Jesus não demorará muito para voltar, não é possível, afirma o futurismo, que estas profecias abarquem um longo período de tempo (nesse detalhe, portanto, o futurismo tem algo em comum com o preterismo). Assim, os períodos proféticos devem ser interpretados literalmente.

Então, a questão decisiva é: estão correctos os preteristas e/ou futuristas nas suas afirmações? Para constatarmos que a resposta para esta pergunta é “não!”, bastaria um olhar superficial aos planos proféticos de Daniel. É impossível a alguém que, sem preconceitos, interprete Daniel 2 ou 7, como exemplos, e não perceba que a história do mundo, desde os dias do próprio profeta até ao fim, é aqui descrita. Por esta simples razão, os períodos referidos não podem ser considerados literais, pois, em termos de literalidade, o perído de tempo é demasiado curto. Poderiámos afirmar sem relutância, tendo em vista o contexto em que são dadas [as profecias] não teria sentido as grandes profecias de tempo nos capítulos de Daniel 7 e 8, grandes impérios mundiais que, começram na antiguidade e culminarão com o fim do mundo, isto pressupões milhares de anos de história.

Daniel 9 e o tempo profético
Setenta semanas e 2.300 dias

Ao considerarmos Daniel 9, naturalmente se impõe a necessidade de aplicarmos o princípio dia/ano ao período ali registado. Senão, como é possível que os eventos ligados a esse período ocorram num período de setenta semanas ou 490 dias literais? Por exemplo, uma cidade como Jerusalém ser, naqueles tempos, reconstruída (v. 25) em menos de um ano e meio? Simplesmente, impossível!

E mais: partindo do ano em que foi emitido o decreto para a reconstrução de Jerusalém (457 a.C), como chegar até ao Messias em apenas 490 dias?

Isso é tão evidente, que, se não todos, a grande maioria dos intérpretes não adventistas entende que esta profecia trata de anos, e não dias. Pensam assim, não porque aceitem, aqui, o princípio dia/ano; fazem-no com o argumento de que estas não são semanas convencionais, mas semanas de anos. De facto, quando a lei mosaica prescreve o ano jubileu, ela refere-se a sete anos sabáticos ou “sete semanas de anos”, o equivalente a 49 anos (Lev. 25:8), para determinar o ano seguinte, o 50º, como jubileu (v. 10). As setenta semanas, então, teriam sido anunciadas pelo anjo em termos de 70 anos sabáticos ou 10 ciclos jubilares. Que a questão do ano sabático esteve envolvida no cativeiro babilónico é claramente inferido de Levítico 26:33-35 e II Crónicas 36:21. Os setenta anos de cativeiro corresponderam a setenta anos sabáticos não respeitados pelos judeus. Daniel 9, então, transforma os setenta anos em setenta semanas de anos, período que transcorreria até que a libertação definitiva do povo de Deus fosse concretizada.

Tudo isso é uma evidência adicional de que o princípio dia/ano é, sem a menor dúvida, bíblico, pois mesmo o calendário agrícola de Israel o pressupõe. O ano sabático está para os 6 anos anteriores da mesma forma como o sábado semanal está para os seis dias anteriores. Isto consubstancia um relacionamento muito estreito entre dia e ano, tal como é estabelecido pelo princípio dia/ano. Sete anos culminados com o ano sabático compõem uma unidade de contagem de tempo padronizada numa unidade menor, sete dias que culminam com o sábado. Desta forma, um dia de 24 horas, o sábado, é visto como modelo para um ano inteiro de descanso, o ano sabático, um dia correspondendo a um ano, conforme determina o princípio dia/ano.

Uma vez que as setenta semanas são admitidas como 490 anos, também os 2.300 dias de Daniel 8:14 o são, de facto, 2.300 anos, senão, como é possível que aquele período seja “separado”, “apartado”, “destacado”, “cortado” (o sentido do verbo chatak, traduzido “determinadas” no verso 24 das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8:14, que literalmente seriam menos que seis anos e meio? Como seria possível extrair 490 anos de 2.300 dias?
Portanto, se as setenta semanas são 490 anos, os 2.300 dias são 2.300 anos.

Mais provas
Princípio dia/ano

Existem duas categorias de profecias: clássica e apocalíptica. No Antigo Testamento, a maior expressão da segunda categoria é, sem dúvida, a parte profética do livro de Daniel.

Entre outras caracterizações, uma categoria difere da outra em objectivo e aplicação. A profecia clássica é restrita, tem a ver mais com o local e o tempo em que foi dada. Exemplo: “Toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto; estas nações servirão ao rei de Babilónia setenta anos” (Jer. 25:11). Estas palavras predizem o cativeiro babilónico que se estenderia por setenta anos, no fim dos quais, Deus libertaria o Seu povo. Tudo isso começou a cumprir-se pouco tempo depois. Já a profecia apocalíptica é ampla no seu objectivo e aplicação. Ela abrange toda a humanidade e o inteiro curso da História, estendendo-se até a consumação final.

Os períodos de tempo para uma e outra categoria são enunciados de maneira surpreendentemente paradoxal: em termos de tempo literal, os períodos são bem mais extensos na profecia clássica que na apocalíptica. Nós esperaríamos o contrário, já que o objectivo e a aplicação da segunda são mais abarcantes. Acabo de citar um exemplo: os setenta anos do cativeiro babilónico. Este período pode ser apreciado em contraste com as setenta semanas de Daniel 9, que, em termos literais, são mais ou menos um ano e meio. Todavia, este período, em conformidade com a amplitude maior da profecia apocalíptica, parte dos dias do domínio persa no século V a.C. e atinge os dias apostólicos, isto é, quase 500 anos em apenas 70 semanas! Por sua vez, as 2.300 tardes e manhãs, ou dias, de Daniel 8:14, são um período curto se tomado literalmente (como se viu, menos que seis anos e meio) e insuficiente para cobrir o todo da visão dada ao profeta (v. 13). Esta também parte dos dias do domínio persa, representado por um carneiro, o primeiro elemento da visão (vs. 3 e 20), e estende-se até a nossa época (v. 19). São 23 séculos em 2.300 dias! Como com tanto conteúdo profético pode ser alusivo a tão pouco tempo?

O impasse desaparece apenas quando aplicamos o princípio dia/ano. Nesse caso, as setenta semanas, ou 490 dias, são, na realidade, 490 anos, e os 2.300 dias, 2300 anos. Esse princípio, obviamente, aplica-se também a outros períodos, entre eles os três tempos e meio, ou três anos e meio, de Daniel 7:25, 12:7 e Apocalipse 12:14; os 1.290 e 1.335 dias de Daniel 12:12 e 13; os 1.260 dias de Apocalipse 11:3 e 12:6; e os 42 meses de Apocalipse 13:5.

Concluo este comentário com uma referência do Evangelho. É possível divisar o princípio dia/ano sendo empregue por Jesus pelo menos uma vez, ao referir-se ao período do Seu ministério neste mundo em termos de “hoje”, “amanhã” e “depois”, em Lucas 12:32 e 33: “Ide dizer a essa raposa [Herodes] que, hoje e amanhã, expulso demónios e curo enfermos e no terceiro dia terminarei. Importa, contudo, caminhar hoje, amanhã e depois, porque não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém.”

Se o próprio Senhor Se valeu desse princípio, em essência, é óbvio que os Seus seguidores possam também valer-se dele. E não somente podem, mas devem, quando isso for requerido para uma sólida e correcta interpretação profética.

José Carlos Costa/Pastor