6 de dezembro de 2011

PROFETA DANIEL - ESTRUTURA PROFÉTICA

Iremos estudar alguns aspectos que nos permitirão ver uma certa estrutura no livro de Daniel. Antes, porém, convém dizer que existem diversas formas, hoje em dia, de interpretação das profecias. É muito importante que tenhamos isto bem presente para que nos possamos aperceber das diferentes maneiras de interpretar o texto bíblico. Assim, iremos analisar de uma forma sumária e simples, para que possamos ver como cada uma delas vê e interpreta o texto bíblico. A Bíblia está enraizada na História e, não somente nela se encontram narrativas de acontecimentos passados, como também nela são apontados caminhos, pistas que visam não somente o tempo do presente como apontam para o que ainda está no futuro próximo. Estes conceitos – passado, presente e futuro – estão directamente ligados à predição do futuro e, nesta qualidade, tanto o livro de Daniel como o do Apocalipse encerram esta vertente – a profética.
1- Escolas de interpretação profética
Assim, perante este espectro seria normal que surgissem muitas interpretações do texto profético. Existem por isso, três escolas de interpretação conhecidas como – Preterista, Futurista/Dispensacionalista e Historicista. Vejamos, portanto, cada uma de per si:
- Preterista
Esta escola, tal como o nome indica, o cumprimento do quanto encerra o texto profético, é visto e percebido por esta escola, totalmente cumprido, pertencendo, por esta razão ao passado. Tudo está cumprido. Esta forma de interpretação profética está ligada a uma certa forma de crítica liberal em relação às profecias de Daniel e de Apocalipse. Neste caso específico, o livro do profeta Daniel que segundo os arautos desta escola, foi composto no ano 165 a.C. não passa de uma antologia de textos que reflectem as vivências do autor, e cujo propósito era encorajar o movimento de resistência contra a opressão de uma personagem anti judaica que a História conhece pelo nome do rei Seleucida Antíoco IV Epifânio (175-164 a.C.). Assim, transpondo tudo para o passado o tempo profético, é ignorada toda a dinâmica da profecia, quer na sua perspectiva direccionada para um tempo do fim da história da existência humana.
Dito isto, para esta escola de interpretação profética, por exemplo, o chifre pequeno de Daniel 7 e a besta a que o livro do Apocalipse faz referência, ambas fazem referência ao Imperador romano Nero ou a Diocleciano ou ainda a um outro qualquer Imperador da Roma pagã. Isto quer dizer, como facilmente se compreenderá que o texto profético, destes dois livros, nada tem para o homem moderno, pela simples razão de que todas as suas profecias cumpriram-se no passado. Isto significa que a tensão profética é totalmente inexistente; numa palavra, o autor conta o que já se passou, nada mais! Assim sendo, já não temos não só necessidade de estudar as profecias visto que elas pertencem ao passado como também, por este facto, a Igreja perde de vista a proclamação do 2º advento do Senhor Jesus. Esta é a escola de interpretação profética professada e ensinada pela Igreja tradicional.
- Futurista/Dispensacionalista
Recordemos um, pouco do porquê do aparecimento da escola Futurista. A Reforma Protestante – João Wycliffe (1324-1384), João Huss (1369-1415), Lutero (1483-1546) – entre outros, na base do estudo das profecias bíblicas tinham chegado à conclusão de que a Igreja Romana personificava o poder descrito na Palavra de Deus, em particular, nos livros de – Daniel e Apocalipse - pelo nome de Anticristo. Roma precisava de um novo método de interpretação profética das Escrituras para poder fazer face às acusações da Reforma Protestante. Para combater e anular estas acusações, um jesuíta espanhol chamado Francisco Ribera, publica em 1590 um comentário sobre o Apocalipse negando, através das suas teorias futuristas, a acusação protestante de que a Igreja de Roma fosse o Anticristo. Para a Escola Futurista, fundada por este jesuíta, - o Anticristo, Babilónia e a reconstrução do templo em Jerusalém – assinalam o fim da dispensação cristã. Assim, a Igreja de Roma tinha agora um argumento para dizer e defender que não era o Anticristo, mas que este, ou o que ele personifica, irá surgir no fim dos tempos. Assim, tudo o que está profeticamente descrito acontecerá no futuro.
O que é espantoso é que, mais tarde, certa franja do Protestantismo, irá mudar também a sua forma de interpretar as profecias para usar os mesmos argumentos da Igreja de Roma, isto é, que esta não tem nada a ver com o Anticristo das profecias de Daniel e do Apocalipse. Esta escola de interpretação chama-se - Dispensacionalismo - a qual deve a sua origem a John Nelson Darby (1800-1882) e tem como grandes arautos uma boa parte das Igrejas evangélicas.
As profecias de Daniel e Apocalipse inerentes ao - o chifre pequeno, a besta, o nº 666, a vinda de Cristo – tudo isto terá o seu cumprimento num longínquo futuro. Quando e como tudo isto acontecerá? A vinda de Cristo 1º- inaugurará um período de tribulação de 7 anos. Mas antes que este comece, Ele arrebatará secretamente consigo a Sua Igreja e a levará para o céu; 2º- durante este período, levantar-se-á o Anticristo, em Jerusalém, no Templo, e de lá governará a Terra. Este poder perseguirá todos aqueles que lhe forem contrários e que se converterem a Cristo durante este período profético de 7 anos literais de tribulação; 3º- terminados estes 7 anos, todos os fiéis em Cristo serão, finalmente, salvos pela 3ª vinda gloriosa de Cristo, desta vez, de uma forma visível, para destruir o Anticristo e fundar o Seus reino milenar. As profecias se irão cumprir, no final, numa fase bem precisa da História, ou seja, como dissemos, no momento em que a Igreja estiver no Céu.
Mas, qual a origem deste período de 7 anos literais? Este vem directamente da profecia das 70 semanas que se encontra no livro do profeta Daniel – Daniel 9.24-27. Esta corrente doutrinária para elaborar o postulado que acabámos de referir - uma “tribulação de 7 anos” - cortam a “semana” mencionada no v. 27 e fazem com que os acontecimentos do tempo do fim se encaixem nela! Mas isto não faz qualquer sentido, pois se se extrair, esta última semana, o que é que acontece? Simplesmente deixa de existir uma sequência profética coerente. A profecia de Daniel 7.24-27, recorde-se, é chamada de – 70 semanas – e não de 69! Ou seja, para a coerência do todo profético, a 70ª semana deverá estar apensa às restantes e não separada delas! 126 Por outro lado nesta pequena semana profética: 1- nada é dito acerca de um hipotético período de tribulação; 2- nada é dito acerca de um qualquer Anticristo; 3- e muito menos, a existência de um qualquer indício de uma segunda oportunidade!
Esta doutrina resultante desta interpretação profética é inexistente nas Sagradas Escrituras; 2- O texto de S. Paulo - I Tessalonicenses 4.16-18 - desmente qualquer veleidade de um hipotético arrebatamento secreto no momento da 2ª vinda de Cristo, antes pelo contrário, porque o Senhor, quando vier virá: 1)- com alarido; 2)- com voz de Arcanjo; 3)- com a trombeta de Deus; Assim, a 2ª vinda de Jesus será um acontecimento visível para todos, universal – Apoc. 1.7. Após esta 2ª vinda de Cristo, a Bíblia ensina, ao contrário do que é afirmado e ensinado, que não haverá uma segunda oportunidade, visto que, “depois da morte, vem o juízo” – Heb. 9.27.
Esta, escola tem, na verdade, o seu lado positivo ou seja, que contempla a vertente escatológica da profecia, fazendo com que o leitor possa estar atento ao tempo do fim. Só que este método dá lugar à especulação sem qualquer controlo. Não é contemplada por uma hermenêutica e exegese sadias para que o que se afirma possa estar consolidado e apoiado pelo próprio texto. E como o acontecimento anunciado está situado unicamente num futuro longínquo, não está submetido a nenhum controlo histórico que possa, de certa forma, verificar a viabilidade da tese proposta ou avançada.
- Historicista
Esta escola de interpretação profética vê o desenrolar da profecia à medida que o tempo histórica se desenrola, ou seja, desde o momento em que a profecia é pronunciada até ao tempo do fim. Isto quer dizer que o cumprimento da profecia não se restringe, de modo algum, ao passado (Preterismo), ou no fim do tempo (Futurista), mas que se prolonga ao longo do tempo até ao seu cumprimento.
Para esta escola de interpretação, as profecias cumprem todo o período histórico até à gloriosa vinda de Cristo. Na verdade, a melhor ilustração para nos ajudar a compreender esta forma de interpretação profética é a metáfora de um rio. Este começa a montante e termina a jusante, no mar. E, entre estes dois pontos, podemos ver como este vai fluindo ao longo de todo o percurso. Esta é a visão que um historicista tem do rio. Os preteristas olham para o mesmo rio, para o princípio, onde o rio nasce, nada mais. Os futuristas, olham para onde o rio desagua, o mar. O que podemos ver destes três cenários? Os historicistas, como dissemos, olham para onde o rio inicia o seu percurso e acompanham todo o seu trajecto até ao seu ponto final, o mar.
Os dois restantes sistemas de interpretação profética têm visões incompletas do todo onde se desenrola o tempo longo da profecia. Assim, podemos ver, na verdade, onde o rio começa, fase que é contemporânea ao profeta, quando ele profere o oráculo em causa. O rio, ao chegar ao seu fim, à sua fase final – o mar – não é mais do que a representação da 2ª vinda de Cristo. A escola historicista tem o mérito de ter em conta o carácter histórico da profecia bíblica. Com efeito, esta última forma de interpretação profética é a única a tomar à letra a profecia e a considerá-la no tempo da sua aplicação histórica e cronológica, pois encontra-se, ao contrário das outras escolas de interpretação profética, mais perto da intenção profunda do autor. No entanto esta forma de analisar o texto profético não está isento de tentações, ou seja, de encontrar, muitas vezes, a todo o custo a aplicação histórica da profecia. Ou seja, parte-se da História para o texto bíblico, em vez de se percorrer o caminho inverso, do texto bíblico à História. No Protestantismo, a Igreja Adventista é a única que permanece nesta escola de interpretação profética – a Historicista – tal, como dissemos acima, estavam nesta mesma linha de interpretação a Igreja dos Reformadores e mesmo antes.

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