O livro do Apocalipse é datado por volta do ano 96 de nossa
era, quando já estavam escritos os Evangelhos do Novo Testamento. Os quatro
Evangelhos – Mateus, Marcos, Lucas e João –, todos falam a respeito da primeira
vinda do Messias Jesus e se concentram em sua vida, sua missão e morte, sua
ressurreição e sua ascensão. Aí terminam os quatro Evangelhos. Mas o livro do
Apocalipse começa depois de sua ressurreição, com Cristo exaltado à mão direita
do Pai, levando a cabo sua obra de intercessão em preparação para sua volta.
Desse modo, o Apocalipse se concentra sobre sua mediação em favor da igreja
durante a era cristã e em sua obra final de juízo e libertação como a
introdução para seu segundo advento. O Apocalipse é o complemento dos quatro
Evangelhos. É o único livro revelado por Cristo diretamente do céu. Ele o chama
seu próprio "testemunho destas coisas nas igrejas" (Apoc. 22:16). Em
sentido especial, o livro do Apocalipse é o testemunho de Jesus e o testemunho
do Espírito (V. 17; 2:7, 11).
A primeira chave
Que chave tem o crente cristão para decifrar o simbolismo
apocalíptico? A primeira chave interpretativa se apresenta virtualmente em cada
versículo do livro. A edição grega do Novo Testamento indica que o Apocalipse
contém mais de 600 alusões aos escritos do Antigo Testamento. A Bíblia Hebraica
continua sendo o fundamento e a raiz do Novo Testamento, e só quando mantemos
juntos ambos os Testamentos temos uma Bíblia completa. Em grande parte, o
Antigo Testamento é profecia e o Novo Testamento proclama o seu cumprimento em
Cristo e no seu povo. Não podemos entender completamente um sem o outro. O fato
de que o Apocalipse se refira mais de 600 vezes à história do Antigo Testamento
e aos seus conceitos hebraicos, sugere que o Antigo Testamento é a primeira chave para decifrar o livro
do Apocalipse.
No livro Atos dos Apóstolos, Ellen White declara que
"no Apocalipse todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem"
(p. 585). Essa é uma declaração teológica profunda e fascinante! Todos os
outros livros da Bíblia, 65 em total, encontram o seu significado recôndito e a
sua consumação no Apocalipse. Isto quer dizer que os livros de Moisés, os
profetas, e também os Salmos, encontram a sua aplicação final no livro do
Apocalipse. Significa que todos os atos históricos de Deus em salvação e juízo
voltarão a acontecer numa escala mundial.
O fato de que o Antigo Testamento seja a chave para o
Apocalipse tem sido reconhecido hoje em dia como uma descoberta importante na
história dos estudos apocalípticos. Não obstante, alguns intérpretes até tratam
de explicar o livro do Apocalipse por si mesmo, literalizando as suas palavras
e imagens como se fossem fotografias atuais de eventos futuros. Por
conseguinte, o centro de atenção muda imediatamente para longe de Cristo ao
povo judeu no Oriente Médio e a outros eventos políticos. O monte Sião em
Apocalipse 14 se aplica a um monte literal em Jerusalém. Este enfoque se chama
literalismo. Outros foram ao extremo oposto segundo o qual cada símbolo se
explica especulativamente, sem nenhuma norma bíblica. Esse enfoque se chama
alegorismo. Tanto o literalismo como o alegorismo são especulações
injustificadas.
A única chave que decifra o significado recôndito do
Apocalipse é a chave que o mesmo livro indica. Seus conceitos simbólicos e seus
termos estão tirados do Antigo Testamento. Ali encontramos o significado dos
símbolos apocalípticos em seu marco do pacto original e da história da
salvação. No Antigo Testamento encontramos os protótipos na história do que
Deus vai fazer no futuro. Deus revela o futuro mostrando-nos como atuou no
passado. Diz ao povo de Cristo que têm um sublime chamado e um grande futuro,
devido ao que Deus prometeu no passado.
O Apocalipse destaca a autoridade de Cristo ao declarar que
é "a revelação do Jesus Cristo, que Deus lhe deu" (1:1). O que é que
quer dizer por Deus"? O Deus do pacto, o Deus de Israel, o Deus de Abraão,
Isaque e Jacó. O Deus do pacto está falando agora "para manifestar a seus
servos as coisas que devem acontecer logo" (v. 1). Estas palavras:
"que devem acontecer logo", com exceção da palavra "logo",
todas estão citadas de Daniel. Estando perante Nabucodonosor, o rei de
Babilônia, disse Daniel: "Mas há um Deus nos céus, o qual revela os
mistérios, e ele tem feito saber ao rei Nabucodonosor o que tem que acontecer
nos últimos dias" (Dan. 2:28). Estas palavras se repetem como o tema do
Apocalipse. Entretanto, João acrescenta a palavra "logo" (Apoc. 1:1).
Isto nos diz que a primeira vinda de Cristo levou a expectativa da esperança de
Daniel muito mais perto de sua realização histórica.
Para apreciar o cumprimento da profecia do Daniel, devemos
saber em que tempo recebeu a visão. Daniel viveu durante o Império Neobabilónico
(604-539 A.C.) No capítulo 2, Daniel revela uma visão que Deus deu ao rei
Nabucodonosor. Esta consistia de uma estátua metálica feita de quatro metais:
uma cabeça de ouro; seu peito e seus braços de prata; seu ventre e suas coxas
de bronze; suas pernas de ferro; seus pés, em parte de ferro e em parte de
barro cozido, um fundamento muito frágil para uma estátua tão pesada.
Esta é uma revelação de como Deus vê o curso da história do
mundo, com a humanidade erguida sobre pés de barro. Entretanto, no quadro vivo
de Daniel, Deus tem uma parte. Duas vezes se destaca que uma pedra foi cortada
"sem intervenção humana" (Dan. 2:34, 45, NBE), indicando que o homem
não tem nada que ver com o destino final do mundo. No tempo indicado por Deus,
descerá uma rocha do céu, dirigindo-se para o planeta terra. A estátua
simboliza nosso mundo em sua história política do tempo do profeta Daniel.
Começando com Babilônia, apresenta os impérios sucessivos de Medo-pérsia,
Grécia- Macedônia, para ser seguidos pela autoridade de ferro do Império Romano
que durou desde ano 164 a.C. até 476 d.C. Depois disso viria um mundo "dividido"
(v. 41).
Hoje em dia não existe um governo mundial, embora alguns
tentaram fazê-lo pela força durante os últimos séculos, incluindo Carlos Magno,
Napoleão e Hitler. Nossa situação mundial presente está surpreendentemente
representada pelos pés da estátua da profecia. Somos testemunhas da época
avançada na história do mundo, tal como se esboça em Daniel 2.
Deus é o Senhor da história, e por meio de Cristo a levará a
sua conclusão decretada. Quando Cristo venha pela segunda vez, terminará com
todas as estruturas políticas de poder, tal como se prediz em Daniel 2:44 e 45.
Deus não é um espectador da história mundial; ele guia e dirige ativamente o
fluir da história para o seu destino, seja que lhe ajudemos ou não. Em
Apocalipse nos volta a assegurar que tudo será novo: "Eis aqui eu faço
novas todas as coisas" (Apoc. 21:5).
Nenhuma comunidade pode restaurar o paraíso. O Apocalipse
começa com a garantia de que a predição de Daniel acontecerá "logo"!
Há uma nova oportunidade em Apocalipse que não está presente em Daniel.
Uma indicação adicional desta urgência do fim do tempo é o
fato de que o rolo do Daniel estava "selado" até o tempo do fim (Dan.
12:4). Daniel 8 foi selado explicitamente para "um futuro remoto"
(8:26, NBE). Daniel não escreveu para o seu próprio tempo. As suas visões
ficaram seladas porque eram para as gerações futuras. Por outro lado, o livro
do Apocalipse termina com esta ordem direta: "Não sele as palavras da
profecia deste livro, porque o tempo está perto" (Apoc. 22:10). Portanto,
o livro selado de Daniel fica aberto gradualmente no Apocalipse. Isto significa
que não se pode entender o livro do Apocalipse sem entender as suas raízes em
Daniel. Isto se confirma pela primeira declaração que faz João do tema
fundamental do Apocalipse:
"Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até
quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele.
Certamente. Amém!" (Apoc. 1:7).
Esta linguagem figurada por si mesma não dá a conhecer todo
seu profundo significado. A chave para entender seu significado se encontra na
Bíblia Hebraica! A raiz central primária do Antigo Testamento de Apocalipse 1:7
é Daniel 7. Este capítulo de Daniel constitui a visão apocalíptica principal
para o livro do Apocalipse. Daniel mesmo ficou profundamente comovido pelo que
ouviu e viu. A sua nova visão ampliou a sua predição profética anterior do
capítulo 2. Agora se descrevem os quatro metais da estátua em Daniel 2 como
quatro bestas insólitas que surgem do mar das nações como impérios mundiais, em
forma sucessiva. Depois segue uma nova revelação que desenvolve o significado
da pedra que cai do céu e esmiúça a estátua.
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