2 de setembro de 2010

DANIEL 4: A ORAÇÃO DE NABUCODONOSOR

“Mas ao fim daqueles dias eu, Nabucodonozor, levantei ao céu os meus olhos, e voltou a mim o meu entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre; porque o seu domínio é um domínio sempiterno, e o seu reino é de geração em geração. E todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera no exército do céu e entre os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? No mesmo tempo voltou a mim o meu entendimento; e para a glória do meu reino voltou a mim a minha majestade e o meu resplendor. Buscaram-me os meus conselheiros e os meus grandes; e fui restabelecido no meu reino, e foi-me acrescentada excelente grandeza. Agora, pois, eu, Nabucodonozor, louvo, e exalço, e glorifico ao Rei do céu; porque todas as suas obras são retas, e os seus caminhos justos, e ele pode humilhar aos que andam na soberba. (Dan. 4:34-37).
O texto deixa entender a responsabilidade do rei no que diz respeito ao libertação que é alvo: “levantei aos céus os meus olhos, e voltou a mim o meu entendimento,” (v.34). Não importa quão profunda seja o seu estado, o doente portador de licantropia conserva sempre um certo estado de consciência e tem mesmo momentos de clara lucidez. Independentemente da gravidade da doença, o homem conserva as faculdades humanas, com um potencial de liberdade e de responsabilidade. Os grandes psiquiatras têm disto conhecimento e recusam etiquetar os seus pacientes de “loucos”, preferem considerá-los como simples doentes exigindo tratamento e mantendo uma expectativa de cura.
pedra com o nome de Nabucodonosor
É uma das lições do nosso texto bíblico; vemos um certo determinismo, neutralizado pela liberdade do homem. Mesmo preso num corpo e comportamento que poderíamos classificar “animal”, o homem pode sempre reencontrar-se. Basta para tanto tal como Nabucodonosor “levantar os olhos para o céu”. Nabucodonosor torna-se animal quando ele se toma por deus. Nabucodonosor torna-se homem quando ele realiza a sua miséria e que olha o seu estado. O paradoxo é evidente, tanto no plano psicológico da felicidade e do equilíbrio mental como no plano teológico da salvação.
Estela de Nabucodonosor Iº
Ninguém por si mesmo pode desenvolver-se para além da medida em reconhece os seus limites. Pense ele que é uma ave e que se lance pela janela acabará estendido no chão. Para poder voar, o homem deve aprender a lei da gravidade e compreender que esta o limita. A liberdade e a felicidade têm este preço. Mas para além da simples lição moral, a cura de Nabucodonosor ensina-nos uma lição no que concerne a salvação espiritual. Só quando o homem sai de si mesmo fica em condições de apreciar o lato sentido da salvação. Mais que uma atitude psicológica, a salvação é uma questão religiosa; é o reconhecimento que a salvação é um acto de Deus. Para ser salvo, é necessário levantar os olhos para o céu. Nabucodonosor descobre esta verdade no mais profundo da sua alma. A sua razão transforma-se em fé. O nosso texto bíblico em apreciação situa-se na linha tradicional do pensamento bíblico: “Diz o néscio no seu coração: Não há Deus. Corromperam-se e cometeram abominável iniqüidade; não há quem faça o bem.” (Sal. 53:1; cf. sal. 14:1). A ilusão, é crer que é uma ilusão crer. Para Daniel, a fé e a razão não são incompatíveis. Pelo contrário, a fé releva da razão; pode mesmo dizer-se que a fé é um sinal da razão.
A experiência de Nabucodonosor contém igualmente uma lição de ordem cósmica. Através da cura do rei percebe-se o milagre da ressurreição. Até as palavras que ele profere evocam esta realidade: “Tu, porém, vai-te, até que chegue o fim; pois descansarás, e estarás no teu quinhão ao fim dos dias.” (Dan. 12:13). A cura de Nabucodonosor anuncia também a ressurreição “ao fim dos dias”. Nabucodonosor desperto do seu estado de inconsciência e de novo pode falar. Até esta altura o rei era evocado na terceira pessoa do singular. Desde que Nabucodonosor retoma o uso dos seus sentidos, ele utiliza de novo a primeira pessoa e as suas palavras explodem em oração. Esta é a quarta oração do livro de Daniel.
Ao lermos as suas palavras temos a clara impressão que os seus olhos vão alternadamente do céu para a terra, e da terra para o céu. Este vai e vem entre o céu e a terra dão à oração de Nabucodonosor uma estrutura particular.
No texto também é descrito os três movimentos da alma humana: “eu bendisse” (...) “louvei” (...) e “glorifiquei”, o que corresponde aos três atributos de Deus: Ele vive eternamente, Ele domina eternamente, Ele reina eternamente (v. 34). A eternidade de Deus é repetida três vezes. Tudo aqui começa, na intensidade do reconhecimento da eternidade de Deus – da Sua existência, do Seu domínio e do Seu reino.
O ressuscitado passa da morte para a vida; e esta brusca prolongação do nada para a existência inunda Nabucodonosor do sentimento da eternidade de Deus. a sua oração é a da mais intensa adoração, centrada exclusivamente em Deus. Nabucodonosor exprime o seu reconhecimento (ele bendiz Deus), no seu êxtase (ele louva Deus) e na sua admiração (ele glorifica Deus). Mal desperta, Nabucodonosor só tem um olhar e este é para Deus. Não hesita em reconhecer que Lhe deve tudo e que não é ninguém sem Ele.
Desta maneira, a salvação só é possível pelo milagre da criação. Nabucodonosor faz claramente alusão à criação ao associar a expressão clássica “o céu e a terra” com o “fazer” e “mão de Deus” (v.35). Na mão de Deus, estão os exércitos do céu como os habitantes da terra: “todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera no exército do céu e entre os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão,”. Esta forma de se expressar é típica da Bíblia para traduzir a ideia da criação.
“Ai daquele que contende com o seu Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou dirá a tua obra: Não tens mãos?” (Is. 45:9).

“Ele é sábio de coração e poderoso em forças... Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e os transtorna no seu furor; o que sacode a terra do seu lugar, de modo que as suas colunas estremecem; o que dá ordens ao sol, e ele não nasce; o que sela as estrelas; o que sozinho estende os céus, e anda sobre as ondas do mar; o que fez a ursa, o Oriom, e as Plêiades, e as recâmaras do sul; o que faz coisas grandes e insondáveis, e maravilhas que não se podem contar. Eis que ele passa junto a mim, e, não o vejo; sim, vai passando adiante, mas não o percebo. Eis que arrebata a presa; quem o pode impedir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes?” (Job 9:4-12).

A experiência de Nabucodonosor aparenta-se ao milagre da criação. Ele tinha tudo perdido até a sua própria identidade, e eis que tudo lhe é “retornado”. A palavra tub “regressar”, “vir outra vez”, é repetida três vezes no texto – uma vezz no v.34 e duas vezes no v.36, como para sublinhar o carácter da restauração operada. Nabucodonosor não só recuperou o que tinha mas também a sua identidade; ele sai desta experiência mais forte que era antes. Este despertar (ressurreição) da morte, é como sair da poeira infinitamente mais rico e mais glorioso que o era antes (ver 1ª Cor. 15:35-50).
A glória com que Nabucodonosor é revestido não o embriaga. O rei permanece plenamente consciente que nada é definitivamente adquirido. Ele ainda pode cair, mas ele perdeu a sua insolente segurança. Agora compromete-se na via da humildade e do arrependimento, o monarca, enfim, convertido.

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