"Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um
evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a terra, e a cada nação,
e tribo, e língua, e povo, dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe
glória, pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a
terra, e o mar, e as fontes das águas" (Apoc. 14:6, 7).
A expressão "outro anjo" (v. 6) conecta este
mensageiro com o anjo anterior que aparece no Apocalipse, o "anjo
forte" do capítulo 10. A tríplice mensagem de Apocalipse 14 ao que parece
funciona como a expansão da missão do "anjo forte" durante a sexta
trombeta (Apoc. 10:5-7). Em ambos os capítulos, o 10 e o 14, a advertência do
tempo do fim do céu tem o propósito de alcançar toda a terra. O anjo
"voando pelo meio do céu" (o zênite do céu) em Apocalipse 14
simboliza o alcance universal de sua mensagem, assim como o anjo forte tinha
posto seu pé tanto sobre o mar como sobre a terra. Esta esfera de ação
universal se recalca pela ênfase: "Tendo o evangelho eterno para pregar
aos moradores [literalmente, 'se sentam'] da terra, a toda nação, tribo, língua
e povo" (v. 6). Esta proclamação do "evangelho eterno" de Deus é
a verdadeira mensagem de reavivamento para o fim. Desenvolve a promessa
anterior de Cristo:
"E este evangelho do reino será pregado em todo mundo,
para testemunho a todas as nações; e então virá o fim" (Mat. 24:14).
O adjetivo "eterno " [em gr., aiónion] aplicado ao
"evangelho" em Apocalipse 14:6 leva consigo um significado especial.
Afirma que o evangelho do tempo do fim é o evangelho inalterado dos apóstolos
de Jesus. O evangelho do tempo do fim não é um evangelho diferente, mas sim o
evangelho como foi exposto por Paulo em suas cartas aos romanos e a outras
igrejas. A estrutura delicada do evangelho da soberana graça de Deus (ver Ef.
2:4-10) não pode ser alterado nunca, nem sequer por um anjo ou por um apóstolo.
Uma inovação tal cairia sob a maldição de Deus (ver Gál. 1:6-9).
O evangelho eterno chega a ser cada vez mais relevante
quando é contemplado em seu marco de Apocalipse 13, onde o anticristo demanda a
lealdade à sua falsificação ou "evangelho diferente" (cf. 2 Cor.
11:4). Referindo-se aos decretos do concílio do Trento (1545-1563), o bispo
Chr. Wordsworth comentou:
"Porém, apesar desse anátema apostólico repetido duas
vezes [no Gál. 1:6-9], os que aderem à besta pronunciaram seu anátema sobre
todos os que não recebem as novas doutrinas que acrescentaram ao evangelho de
Deus".1
Alguns comentadores modernos tomaram a posição de que a
frase "evangelho eterno" de Apocalipse 14:6 não quer dizer o
evangelho apostólico mas sim as novas de que o juízo final é iminente (v. 7).
Outros assinalaram que o juízo foi uma parte essencial do evangelho desde sua
iniciação (veja-se Mat. 7:22, 23; 16:27; 25:41; Rom. 2:15, 16). A vinda do
justo juízo de Deus sempre significa boas novas de resgate e vindicação para
seu povo do pacto (ver Sal. 96) e um dia de ajuste de contas para seus
perseguidores (Jer. 50, 51).
Jesus predisse que o evangelho do reino seria pregado como
testemunho (legal) a todos os que moram na terra até o próprio fim (Mat. 24:14;
Mar. 13:10). Portanto, podemos aceitar Apocalipse 10 e 14:6-12 como a aplicação
para o tempo do fim da predição de Jesus em Mateus 24.
Como Jesus fez em Mateus 24, o Apocalipse faz da proclamação
mundial do evangelho o sinal preeminente dos tempos. G. C. Berkouwer assinalou
um engano popular quanto a isto:
"Com muita frequência, a reflexão sobre os sinais foi
separar-se do reino, que é seu ponto de concentração. Os resultados sempre são
desconcertantes. Mas o assunto fundamental é a propagação universal do
evangelho de Jesus Cristo (Mar. 13:10)... Geralmente os que catalogaram os
sinais dos tempos incluíram isto, mas com frequência se viu simplesmente como
outro elemento no 'relatório da narração'... Nos últimos dias a pregação do
evangelho é o ponto focal de todos os sinais. Nela podem e devem ser entendidos
todos os sinais".2
Deve respeitar-se o significado fundamental do evangelho
eterno. Não é um exagero deduzir que uma compreensão nova do evangelho
apostólico em seu marco do tempo do fim de Apocalipse 10 e 14, cria um novo
povo remanescente! Estão comissionados como mensageiros a pregar o evangelho em
seu marco apocalíptico de Apocalipse 13 e 14. Devido a este convite final à
humanidade antes do juízo, todo mundo estará amadurecido para esse juízo. Isso
não quer dizer que se possa calcular a data do fim que se aproxima. O
reavivamento do evangelho sem adulteração é básico para o plano determinado de
Deus (Mar. 13:10). É uma "parte do atuar de Deus no tempo do fim".3
Proclamar a tríplice mensagem de Apocalipse 14 é a missão final da igreja! O
cumprimento desta missão é o maior sinal de todos os que indicam que começou o
tempo do fim!
A Escritura não estabelece que a segunda vinda de Cristo
está condicionada ao êxito da pregação do evangelho, mas sim está condicionada
à realidade da pregação mundial. A tríplice mensagem de Apocalipse 14
intensifica o apelo anterior de Jesus: "Arrependei-vos, porque está
próximo o reino dos céus" (Mat. 4:17).
O Conteúdo do
Evangelho Eterno
Jesus mesmo andou "pregando e anunciando o evangelho do
reino de Deus" (Luc. 8:1), o que indicava a chegada do Messias prometido.
Incluía seu nascimento (Luc. 2:10, 11, "novas de grande gozo"), sua
vida (Mat. 11:5), sua morte expiatória (Mar. 10:45; Ef. 2:14-17; At. 10:36), e
sua ressurreição e entronização no céu (At. 2:30-33). "Sua aparição, não
simplesmente sua pregação, toda sua obra está indicada por 'pregando as boas
novas [euanguelízesthai]' ".4 Portanto o evangelho apostólico se
centralizava nas boas novas de que Jesus de Nazaré era o Messias da profecia
(At. 5:42; 8:35; 17:3, 18). Por conseguinte, o evangelho também inclui as
profecias messiânicas do Antigo Testamento (ver 1 Ped. 1:10, 11; Rom. 1:2;
16:25, 26).
Como rei de Israel, Cristo personifica o reino de Deus.
Pregar o evangelho de Cristo significa uma proclamação eficaz no poder e a
autoridade do Espírito Santo (ver Heb. 2:4). Tal pregação transmite
salvação e
cria paz e gozo (At. 8:8, 39). Paulo recebeu o evangelho por meio de uma
revelação direta de Jesus Cristo (Gal. 1:12). Explicou o conteúdo do evangelho
de uma maneira sistemática em Romanos 1 aos 8. Centra-se na verdade de que
Jesus é o Cristo (Rom. 1:1-4) e que a salvação é nossa por meio da justificação
por graça, só por meio da fé em Cristo (Rom. 3:28; 4:25; 5:1; 8:1, 33, 34).
Paulo resumiu sua compreensão do evangelho em 1 Coríntios
15:3-5, onde menciona a morte expiatória de Cristo, sua sepultura, ressurreição
e as aparições do Cristo ressuscitado. Em síntese, a essência do evangelho de
Paulo pode compendiar-se na confissão: Jesus é o Cristo (Messias), o Senhor
ressuscitado (ver Rom. 10:9, 10). Paulo também reconheceu o dia do juízo como
parte do evangelho (ver Rom. 2:16; At. 17:30, 31). Este é seu amplo panorama do
evangelho. A proclamação do juízo e das boas novas estão inextricavelmente
unidas, como o arrependimento e o novo nascimento (Mar. 1:15; Isa. 57:15). O
juízo de Deus é essencialmente boas novas para o crente, porque Cristo é tanto
Juiz como Salvador (João 5:22). Gerhard Friedrich reconheceu que o evangelho e
o juízo estão conectados indissoluvelmente:
"Desde que o evangelho é a chamada de Deus... aos
homens, demanda decisão e impõe obediência (Rom. 10:16; 2 Cor. 9:13). A atitude
para com o evangelho será a
base da decisão no juízo final (2 Tes. 1:8; cf. 1 Ped.
4:17)".5
A proclamação do evangelho oferece o gozo da salvação
presente aos que o aceitam por fé (Ef. 1:13; 1 Cor. 15:2; Rom. 1:16; 8:15-17).
Diz Ivan T. Blazen:
"Em termos da informação real da Escritura, é uma
ficção acreditar que a justificação não nos relaciona com a soberania de Cristo
como Senhor ou que o juízo não nos relaciona com a obra de Cristo como Salvador...
Quando chegar o fim, o juízo avalia e atesta da realidade da justificação
evidenciada pelas testemunhas fiéis do povo de Deus. Neste fluxo, a
justificação e o juízo não estão na relação de tensão ou contradição mas sim na
de inauguração e consumação".6
A Mensagem do
Primeiro Anjo
"Dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória,
pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e
o mar, e as fontes das águas" (Apoc. 14:7).
Este mensageiro celestial fala com "grande voz", o
que indica que todos os moradores da terra devem ouvir sua mensagem. As
palavras nas quais está expressa a mensagem estão tomadas do Antigo Testamento,
e repetem a demanda do pacto de Deus sobre Israel para adorar somente a ele
como Criador do céu e da terra. De fato, pode ouvir-se um eco específico do
quarto mandamento da lei do pacto de Israel na motivação para adorar a Deus
como Criador:
APOCALIPSE 14:7
"Adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as
fontes das águas".
ÊXODO 20:11
"Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra,
o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor
abençoou o dia de sábado e o santificou".
A resposta à pergunta: "Como devem as pessoas adorar a
Deus como Criador?", é indicada na continuidade do pacto de Deus entre
Israel e a igreja: honrando o sétimo dia sábado como o "bendito"
monumento comemorativo da obra criadora e redentora do Deus do pacto de Israel
(ver Êxo. 20:8-11 e Deut. 5:12-15).
A celebração do sábado do Criador-Redentor identifica o
único Deus verdadeiro. O sábado não foi feito só para a raça hebréia, mas sim
para a humanidade do começo até o fim do tempo. Corrigindo um engano legalista
fariseu, Cristo declarou: " O sábado foi estabelecido por causa do homem,
e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é senhor
também do sábado" (Mar. 2:27, 28). A importância universal do sábado foi
expressa por Isaías, o profeta evangélico:
"Aos estrangeiros que se chegam ao Senhor, para o servirem
e para amarem o nome do Senhor, sendo deste modo servos seus, sim, todos os que
guardam o sábado, não o profanando, e abraçam a minha aliança, também os
levarei ao meu santo monte e os alegrarei na minha Casa de Oração; os seus
holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar, porque a minha
casa será chamada Casa de Oração para todos os povos" (Isa. 56:6, 7).
Isaías previu como Deus convidaria os gentios para adorar em
seu templo no monte Sião nos sábados. Isaías estendeu esta perspectiva aos
novos céus e a nova terra:
"Porque, como os novos céus e a nova terra, que hei de
fazer, estarão diante de mim, diz o Senhor, assim há de estar a vossa
posteridade e o vosso nome. E será que, de uma Festa da Lua Nova à outra e de
um sábado a outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o Senhor"
(Isa. 66:22, 23).
O Apocalipse compara a chamada do céu para reavivar a
adoração verdadeira com a adoração da besta imposta pelo falso profeta (Apoc.
13:12, 15). A chamada para a adoração verdadeira em Apocalipse 14 chega a ser
uma prova de lealdade ao Fazedor do céu e da terra: "Temei a Deus e
dai-lhe glória..." (Apoc. 14:7). Esta exortação está tomada do apelo feito
por Moisés a Israel exatamente antes de entrarem na terra prometida: "O
Senhor, teu Deus, temerás, a ele servirás... Não seguirás outros deuses, Diligentemente, guardarás os mandamentos do
Senhor, teu Deus" (Deut. 6:13, 14, 17; ver também 10:12, 20; 13:4).
Muitos entre as nações responderiam a este convite final
proclamado pelos instrumentos de Deus, como ouvimos no cântico de Moisés e do
Cordeiro:
"Quem não temerá e não glorificará o teu nome, ó
Senhor? Pois só tu és santo; por isso, todas as nações virão e adorarão diante
de ti, porque os teus atos de justiça se fizeram manifestos " (Apoc.
15:4).
Durante a crise religiosa nos dias do Acabe e Elias, os
verdadeiros seguidores do Jeová se descreveram a si mesmos como "temerosos
de Jeová" (1 Reis 18:3, 12; 2 Reis 4:1), em contraste com os que seguiam
aos baalins.
Esta raiz principal do Antigo Testamento de uma confrontação
futura mostra que o "temor de Deus" pressupõe a obediência à vontade
de Deus. Em todo o Antigo Testamento há indicações de que o "temor de
Deus" está unido inseparavelmente à obediência voluntária aos mandamentos
de Deus (ver Gên. 22:1, 12; Êxo. 20:20; Deut. 6:13-17; 10:12; Sal. 112:1;
119:63; 128:1). Esta correspondência é expressa no livro do Eclesiastes:
"De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus e
guarda os seus mandamentos; porque este é o dever de todo homem" (Ecl.
12:13).
A religião do homem se coloca sob a lupa do juízo de Deus
(Ecl. 12:14). Os eruditos contemporâneos do Antigo Testamento admitem que
avançaram para uma compreensão diferente da lei ou a "torah", e que
já não consideram a verdadeira devoção à torah como um legalismo que procura
méritos.7
Chegou a ser claro que o livro de Determinismo foi a
resposta agradecida de Israel à liberação do êxodo. A prioridade da graça
redentora de Deus estava escrita no preâmbulo do decálogo: "Eu sou Jeová
teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão" (Êxo.
20:1). A graça redentora é o núcleo da Torah. O Decálogo está engastado na
graça de Deus e é um dom de Deus. O evangelho apostólico também conhece que o
temor do Senhor é a evidência de gratidão por uma salvação tão grande (ver At.
9:31; Fil. 2:12).
A mensagem do primeiro anjo trata de restaurar a essência da
adoração verdadeira como foi experimentada pelos profetas e apóstolos. Pode-se
escutar o som do apelo de Elias para voltar para Deus com o coração e a alma:
"Se Jeová é Deus, segui-o, e se Baal, segui-o" (1 Reis 18:21)!
Josephine M. Ford captou esta continuidade da religião verdadeira. Disse ela:
"O anjo porta-voz em 14:6 e 7 anuncia a reafirmação do
Decálogo e da adoração de um só Deus, em oposição à adoração da imagem (13:15)
que viola os mandamentos. A referência a Deus como Criador é compreensível à
luz da referência ao céu, à terra e às águas debaixo da terra em Êxodo 20:4.
Além disso, a referência à hora do juízo de Deus (v. 7) tem afinidade com Êxodo
20:5, a declaração de zelo e vingança de Deus sobre todos os que o
aborrecem".8
O Criador, Também o
Juiz de Todos os Homens
O primeiro anjo adiciona como uma motivação especial deste
convite para adorar a Deus o anúncio: "Porque vida é a hora do seu
juízo" (Apoc. 14:7). A associação da adoração e juízo não é nova. Com
frequência se ensina no Antigo Testamento que o Criador é também o Juiz. É
significativa a confissão de fé de Abraão: "Não fará justiça o Juiz de
toda a terra?" (Gén. 18:25). O Decálogo contém a relação entre Deus como
Criador e Juiz (Êxo. 20:4-6, 11 ). A libertação do êxodo se explica como o
juízo de Deus sobre o Egito e Babilónia (Êxo. 7:4; 15:8-12; Deut. 4:32-34; Isa.
11:10-16). O juízo de Deus se manifesta como a redenção de seu povo do pacto
através do perdão divino (Isa. 43:25; 51:9-16; Miq. 7:18; Sal. 89:9-14; 103;
136). Os juízos de Deus na história mostram duas motivações: a punitiva e a
redentora (Êxo. 6:5, 6; Isa. 33:22). Os cantos de adoração de Israel expressam
o pensamento de que Deus é o Juiz porque é o Criador de todas as coisas:
"Porque todos os deuses dos povos são coisas vãs; mas o
Senhor fez os céus... Dizei entre as nações: O Senhor reina! O mundo também se
firmará para que se não abale. Ele julgará os povos com retidão.... Ante a face
do Senhor, porque vem, porque vem a julgar a terra; julgará o mundo com justiça
e os povos, com a sua verdade" (Sal. 96:5, 10, 13).
"O que fez o ouvido, acaso, não ouvirá? E o que formou
os olhos será que não enxerga? Porventura, quem repreende as nações não há-de
punir?" (Sal. 94:9, 10).
Esta verdade da religião de Israel – que o Criador é
o Juiz de todos os homens – também se aplica ao próprio povo do pacto. Tinham
que confrontar o dia de acerto de contas durante o Dia da Expiação anual, o
décimo dia do sétimo mês, que se anunciava por meio da festa das Trombetas dez
dias antes (Lev. 23:23-32). Ao mesmo tempo que o supremo sacerdote purificava o
santuário da culpa do Israel (Lev. 16), era um assunto de vida ou morte para
cada israelita. "Nesse dia se proclamava que Jeová e o pecado não tinham
nada em comum. Depois o pecado era transferido à sua fonte, quer dizer, a
Azazel".9 É interessante saber que a Mishnah considera a festa das
trombetas como um tempo de juízo:
"No dia de Ano Novo tudo o que vem ao mundo passa ante
ele como se fossem legiões de soldados (ou rebanhos de ovelhas), porque está
escrito: Ele formou o coração de todos eles; está atento a todas as suas
obras".10
A Jewish Encyclopedia [Enciclopédia Judaica] informa sobre o
desenvolvimento de um juízo investigativo no céu:
"A sorte dos que são completamente ímpios e dos que são
completamente pios se determina imediatamente [no dia de Ano Novo]; o destino
da classe intermediária fica suspensa até o Dia da Expiação, quando se sela a
sorte de cada homem".11
Significativa é a declaração rabínica: "No Dia da
Expiação criarei a ti uma nova criação".12 Como o Dia da Expiação do
Israel conectava ao Criador com sua obra de juízo, Jacques Doukhan considera o
Dia da Expiação como um "antecedente específico em contraste com o qual está
esboçado a mensagem de Apocalipse 14".13
Esta perspectiva é fascinante e abre um nível mais profundo
de compreensão do chamado de Deus para adorá-lo "com temor e tremor"
no tempo do fim. lhe dar glorifica como o Criador (Apoc. 14:6, 7) é um
recordativo adequado da adoração do Israel em seu Dia da Expiação, e deve
recordar à igreja a verdade de que a salvação não está apoiada em raça ou
paróquia, a não ser em estar "em Cristo" por meio da fé pessoal (Rom.
5:1; 8:1). Os pecadores impenitentes no Israel ou no cristianismo não são
reconhecidos pelo Deus do pacto (Amós 5:18-24; Ezeq. 9; Mat. 7:21-23). O
escritor evangélico Leão Morris assinalou que:
"...é digno de notar que a gente que se surpreenderá
naquele dia não são os forasteiros, a não ser os que se acreditam salvos na
igreja".14
"Pois É Chegada a Hora do Seu Juízo" (Apoc. 14:6, 7)
O anúncio do primeiro anjo, de que chegou "a hora"
do juízo de Deus, serve de resposta do céu à perseguição da besta. No plano de
Deus chegou o tempo do dia do acerto de contas, e este juízo pode entender-se
de duas formas que se complementam.
A frase "é chegada a hora do seu juízo" pode
aplicar-se ao juízo executivo de Deus, tal como se descreve em Apocalipse
14:14-20. O tempo gramatical perfeito "chegou" exerce então a função
de um "perfeito profético" (um tempo passado para descrever um evento
futuro, usado com freqüência pelos profetas de Israel) para enfatizar a certeza
absoluta de seu cumprimento (ver, por ex., Jud. 14, RA, BJ; CI; JS).
João também usou o perfeito profético ("adoraram o
dragão") duas vezes em Apocalipse 13:4.15 Desta perspectiva, o primeiro
anjo anuncia o juízo vindouro na segunda vinda de Cristo que descreve na visão
seguinte (14:14-20), perspectiva que interpreta "a hora do juízo de
Deus" como a execução do juízo da segunda vinda de Cristo. Ellen White
reconheceu esta aplicação quando conectou a "colheita da terra" com a
mensagem do primeiro anjo: "A mensagem do primeiro anjo de Apocalipse 14
[em Apoc. 14:6, 7], anunciando a hora do juízo...".16
A segunda forma considera primeiro a conexão com Daniel 7.
Joyce G. Baldwin nos recorda que "o marco de Daniel 7 é juízo".17
Daniel tinha contemplado a sessão do tribunal na sala do trono celestial (Dan.
7:9, 10), depois que o "chifre pequeno" completou sua perseguição dos
santos (vs. 25, 26). Só quando terminou este juízo celestial, "um como um
filho de homem" veio "com as nuvens do céu" para receber o
domínio sobre este mundo (vs. 13, 14). Até a frase "sentado sobre a nuvem,
um semelhante ao Filho do Homem" em Apocalipse 14:14 está adotada
diretamente do Daniel 7:13 e não dos Evangelhos, o que indica que João tinha a
Daniel 7 especificamente em mente quando escreveu as visões de juízo de
Apocalipse 14.
Uma comparação estreita indica que a proclamação do anjo,
"é chegada a hora de seu juízo ", é paralela à cena do juízo no céu
da visão de Daniel, quando "assentou-se o juízo, e abriram-se os
livros" (Dan. 7:9, 10). Ambas as visões de juízo formam a cena preliminar
antes que venha o Filho do Homem. Por conseguinte, coincidimos com a observação
de Doukhan com respeito a este ponto:
"A visão do Daniel 7 e as mensagens dos três anjos de
Apocalipse 14 estão situados ao mesmo nível na linha profética. Coincidem o
juízo no céu predito em Daniel 7 e a proclamação dos três mensageiros de
Apocalipse 14".18
A forma como se desloca o foco central de atividade em
Daniel 7:8-14 (da terra ao céu, outra vez à terra, e de volta ao céu) indica
que a sessão de juízo no céu "começa enquanto o chifre pequeno está ainda
ativo e, portanto, precede o fim".19 Em resumo, Daniel prediz um juízo
denominado pré-advento (anterior ao advento) em um tribunal celestial de
justiça onde se colocam os tronos e se abrem os livros. O propósito deste
tribunal celestial também é claro pelo contexto daniélico. Pronuncia-se o
veredicto "não só com respeito à força perseguidora mas também com
respeito aos santos".20 Os santos, caluniados e condenados pelo iníquo
chifre pequeno, entram no juízo para obter vindicação: "Até que veio o
Ancião de Dias e fez justiça aos santos do Altíssimo; e veio o tempo em que os
santos possuíram o reino" (Dan. 7:22). Que tranqüilizador é para os santos
que sofrem a perspectiva deste juízo de vindicação!
Quando a mensagem do tempo do fim de Apocalipse 14:6-12
ficou ativada na história da igreja, começou a época final do tempo, "a
hora de seu juízo veio [em gr., élthen]". Se se tomar o juízo para
referir-se ao tribunal celestial do Daniel 7:9 e 10, então o tempo passado, "chegou",
encaixa bem em seu sentido literal. Anuncia que Deus começou a fase final da
história da salvação, que começou a sessão do tribunal no céu. O significado
literal da frase "vinda é a hora do juízo", em Apocalipse 14:7,
anuncia a iniciação do juízo de Deus anterior ao advento na sala do trono
celestial.
Este acontecimento novo no céu deve ser proclamado na terra,
o que encontra uma analogia com o dia de Pentecostes em Atos 2. Desde esse dia
os apóstolos anunciaram com valentia que Jesus de Nazaré tinha sido entronizado
nas cortes celestiais como Rei e Sacerdote (At. 2:33, 36). Como evidência
convincente desta entronização celestial de Cristo, apontaram a evidência
inegável do derramamento do Espírito de Deus sobre os israelitas crentes em
Cristo (v. 33, "isto que vedes e ouvis").
Essa manifestação dramática sobre a terra era a evidência da
obra de Cristo no céu. Iniciou a missão apostólica com poder sobrenatural. Este
modelo de causa celestial e efeito terrestre no começo da era da igreja,
repetir-se-á em uma proporção mundial no tempo do fim (Apoc. 10; 14; 18:1-8).
As visões de Apocalipse 12 a 14 mudam seu foco em forma
regular entre o céu e a terra, como é o caso em Daniel 7. Doukhan observou
quatro passos ou movimentos alternados entre o céu e a terra em Apocalipse 12 a
14,21 o que significa que a história da terra está associada com movimentos
correspondentes no céu. A tríplice mensagem de Apocalipse 14 coincide com a
sessão do tribunal celestial de Daniel 7, que conclui com a vinda de "um
como um filho de homem... com as nuvens" para receber o domínio eterno
sobre a terra (Dan. 7:13, 14). À terminação da missão da mensagem dos três
anjos aparece o daniélico "um semelhante a filho de homem", sentado
sobre "uma nuvem branca", para segar a terra e executar a sentença do
juízo de Deus (Apoc, 14:14-20).
Este paralelismo surpreendente entre Daniel 7 e Apocalipse
14 não foi levado a sério em muitos estudos apocalípticos modernos. Entretanto,
esta correlação é a chave para descobrir a mensagem e o mandato do tempo do
fim. O anúncio do primeiro anjo que diz que "vinda é a hora" do juízo
de Deus, deve relacionar-se com a sessão do tribunal de Daniel 7. Este é o
ponto decisivo para entender a urgência da tríplice mensagem.
A proclamação final do evangelho eterno está
irrevogavelmente conectada com o começo do juízo de Deus anterior ao advento
tal como se descreve em Daniel 7. Estas são más notícias só para os
perseguidores dos santos. Entretanto, como o explica W. G. Johnsson, "para
o crente, o conhecimento de que estamos no tempo do juízo comunica esperança e
a perspectiva de nosso lar eterno. Apocalipse 14:6 e 7 são boas novas para nós,
porque mostra a Deus atuando como o árbitro moral do universo".22
A verdade presente não é por mais tempo simplesmente a perspectiva
do dia vindouro do juízo, como pregou Paulo (ver At. 24:24, 25;17:31). O
primeiro anjo anuncia que a "hora" da reunião celestial precede a
hora da ceifa do mundo (Apoc. 14:15). Ambas as "horas" em Apocalipse
14:7 e 15 designam diferentes e sucessivos períodos de tempo no juízo de Deus;
primeiro vem a fase preliminar do juízo no céu (Apoc. 14:7; Dan. 7:9, 10),
seguido pelo juízo executivo na vinda do Filho do Homem (Apoc. 14:15; Dan.
7:13, 14). Assim que a transladação dos justos vivos à glória e a ressurreição
dos que morreram em Cristo segue ao veredicto do juízo que acaba de preceder.
Esta ordem consecutiva volta a ser apresentada por Daniel em sua conclusão:
" E, naquele tempo, se levantará Miguel, o grande
príncipe, que se levanta pelos filhos do teu povo, e haverá um tempo de
angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo; mas,
naquele tempo, livrar-se-á o teu povo, todo aquele que se achar escrito no
livro. E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida
eterna e outros para vergonha e desprezo eterno" (Dan. 12:1, 2).
A perspectiva de Daniel se estende além da sessão de juízo
como o dia de acerto de contas: leva-o à grande restauração do Reino por meio
da ressurreição dos mortos. Disse Gerhard F. Hasel:
"Por conseguinte, a grande culminação do livro de
Daniel não é o juízo, tão importante como é para os propósitos redentores do
povo de Deus. Antes, tudo leva à ressurreição e à nova era com o reino eterno
já em existência. No plano de Deus, o juízo anterior à vinda da nova era está
designado para levar salvação aos que são verdadeiramente seus".23
Dessa forma, Daniel 12:1-3 procede em descrever o juízo
final (os mesmos livros de registro em Dan. 12:1 e em 7:9, 10) até a vindicação
final dos santos, sua ressurreição à vida eterna e o gozo no reino dos céus.
A Confirmação do Novo
Testamento de um Juízo Pré-Advento
A ordem consecutiva: avaliação e execução no juízo de Deus,
está também contida na promessa de Jesus a respeito da ressurreição dos mortos:
"E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da
vida; e os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação" (João
5:29).
Por este meio Jesus indicou que as pessoas serão
ressuscitadas não para ser julgadas mas sim como resultado do veredicto do juízo
de Deus. A ressurreição à vida e a ressurreição à condenação são claramente
duas ressurreições diferentes, representando os que foram separados previamente
pelo juízo avaliador de Deus. Jesus apontou a esta sequência quando explicou
que os que participem da ressurreição dos mortos, primeiro foram "tidos
por dignos" (Luc. 20:35). A ressurreição à vida ou à morte é a execução da
consideração judicial anterior de Deus. Quando Cristo retorne na glória divina,
vem "para recompensar a cada um segundo as suas obras" (Apoc. 22:12;
ver Mat. 16:27), "para fazer juízo contra todos" (Jud. 15).
As descrições paulinas dos acontecimentos durante a segunda
vinda de Cristo em 1 Tessalonicenses 4:16 e 17 e 2 Tessalonicenses 1:7-10 não
sugerem nenhum processo judicial. Samuele Bacchiocchi fez esta inferência que é
válida:
"A vinda de Cristo é seguida imediatamente, não por um
processo de juízo mas sim pelo ato executivo de Cristo de ressuscitar e
transformar os crentes e de destruir os incrédulos. Qualquer processo de
avaliação e determinação de cada destino humano já tomou lugar".24
O motivo principal para um juízo pré-advento se encontra no
fato que os mortos foram julgados "pelas coisas que estavam escritas nos
livros" (Apoc. 20:12). Os mortos não precisam estar presentes em pessoa
para ser julgados no tribunal do céu.
Na compreensão adventista, o juízo pré-advento ou juízo
investigativo de Daniel 7:9-11, 13 e 14 está identificado com a profetizada
"purificação" ou justificação do santuário celestial durante o tempo
do fim (Dan. 8:14, 17, 19). Esta conexão provê o registro temporário do juízo
pré-advento, de maneira que a última geração que será julgada durante sua vida
possa estar advertida de antemão!25
O que é de importância fundamental para a igreja hoje não é
possuir um conhecimento abstrato do juízo final de Deus ou de seu momento exato
na história da salvação, mas sim a convicção de que uma fé salvífica em Cristo
será ratificada no juízo final. Paulo expressou este discernimento evangélico
do juízo final quando disse: "Agora pois, nenhuma condenação há para os
que estão em Cristo Jesus... Quem acusará aos escolhidos de Deus? Deus é o que
justifica" (Rom. 8:1, 33). Só os que estão sem Cristo serão condenados. O
pensamento deste juízo divino é o pensamento mais solene da mente humana.
Felizmente, o anjo de Apocalipse 14 centra primeiro nossa atenção no evangelho
eterno porque só isto garante a justificação do homem no tribunal celestial.
Hans K. LaRondelle
Referências
1 Chr. Wordsworth,
Is the Papacy predicted by St. Paul? An Inquiry, p. 238.
2
Berkouwer, The Return of Christ, pp. 250, 251
3 Bosch, Die Heidenlnission in der Zukunftsschau Jesu [A
Missão aos Gentios no Panorama Profético de Jesus], p. 167.
4 G. Kittel, Diccionario teológico del Nuevo Testamento, t.
2, p. 718.
5 Ibid., p.
731.
6 Blazen,
"Justification and Judgment", 70 Weeks, Leviticus, Nature of
Prophecy, pp. 343, 344.
7 Ver H. F.
Fuhs, "Yir' at [Temor]", Theological Dictionary of the Old Testament
[Dicionário teológico do Antigo Testamento] (Grand Rapids, Ml: Wm. B. Eerdmans,
1990), T. 6, p. 314.
8 J. M.
Ford, Revelation, p. 248.
9
Rodríguez, Substitution in the Hebrew Cultus, p. 307.
10 The
Mishnah [A Mishná] (H. Danby), p. 188.
11 Max. L.
Margolis, "Day of Atonement", Jewish Encyclopedia [Enciclopédia
judaica] (New York: Ktav Publishing House, 1901), T. II, P. 286.
12
Schechter, Aspects of Rabbinic Theology, p. 304.
13 Doukhan,
p. 64.
14 Morris,
The Biblical Doctrine of Judgment, p. 64.
15 Ver Shea, "Time Prophecies of Daniel 12 and
Revelation 12-13" [As Profecias de Tempo em Daniel 12 e Apocalipse 12 e
13], Simpósio sobre o Apocalipse, t. 1, p. 358.
16 Ellen
White, GC 379.
17 Baldwin,
Daniel. Tyndale OT Commentaries, p. 149.
18 Doukhan,
Daniel: The Vision of the End, p. 60.
19 Ferch,
The Son of Man in Daniel Seven, p. 152.
20 Ibid.,
p. 177.
21 Doukhan,
Daniel: The Vision of the End, pp. 57-59.
22
Johnsson, "The Saints' End-Time Victory Over the Forces of Evil",
Simpósio sobre o Apocalipse, t. 2, p. 38.
23 Hasel,
"A Study of Daniel 8:9-14" [Um Estudo de Daniel 8:9-14], Symposium on
Daniel, pp. 460, 461.
24 S.
Bacchiocchi, "The Pre-Advent Judgment in the New Testament",
Adventists Affirm, p. 36.
25 Para um estudo adicional deste aspecto particular da
finalização do ministério de Cristo no templo celestial, ver Creencias de los
adventistas del séptimo día (Florida, Buenos Aires: ACES, 1989; 2 ts.), t. 2,
cap. 23.
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