Apocalipse 11 pode entender-se como a extensão adicional do
capítulo 10 e não como uma visão desconexa, já que nesta visão das duas
testemunhas se revela o que João experimentou simbolicamente ao comer o
livrinho. Muitos comentadores bíblicos consideram a visão a respeito das duas
testemunhas de Deus em Apocalipse 11:1-13 como o desenvolvimento adicional da
visão do livrinho aberto de Apocalipse 10. Mounce conclui dizendo que
"[Apoc. 11:1-13] forma o conteúdo do 'livrinho' do capítulo que foi doce
ao paladar e amargo ao ventre (Apoc. 10:9, 10)".1
Uma opinião assim se apoia no fato de que ambas as visões
são parte do mesmo interlúdio do tempo do fim entre a sexta e a sétima
trombeta. Mas também existe o mesmo desenvolvimento temático entre Apocalipse
10 e 11. A proclamação do livrinho aberto é denominada "profetizar"
(Apoc. 10:11), o que se descreve como a mesma missão das duas testemunhas em
Apocalipse 11:3, 6 e 10. Além disso, a mensagem do livrinho e o das duas
testemunhas se dirige aos mesmos ouvintes no mundo (Apoc. 10:11; 11:9).
Apocalipse 10 está ampliado na visão seguinte do capítulo 11, e separar o
capítulo 11 de sua introdução no capítulo 10 é separar o que Deus uniu. Nosso
primeiro assunto é ver de que maneira Apocalipse 11 desenvolve o tema de Apocalipse
10.
A Natureza Simbólica da Visão de Apocalipse 11
Assim como a visão preliminar de Apocalipse 10 é simbólica
em suas apresentações, também o é a visão do capítulo 11. Este capítulo aponta
diretamente a sua descrição simbólica quando declara que a grande cidade é
"simbolicamente" (CI, BJ [pneumatikós, "espiritualmente",
RA]; "alegoricamente", JS; "linguagem figurada", DHH)
"Sodoma e Egito" (Apoc. 11:8). A descrição do capítulo 11 é
distintivamente hebraica em caráter. Toma sua linguagem e imagens de Daniel,
Ezequiel, Zacarias, e também das vidas de Moisés e Elias. Entretanto, a
descrição da morte das duas testemunhas, sua ressurreição e sua ascensão
visível está obviamente tirada da vida de Jesus narrada nos Evangelhos.
Os apóstolos usaram de forma consistente termos e imagens
hebraicas como linguagem simbólica para descrever a missão de Jesus e de sua
igreja. Um exemplo revelador está em Hebreus 12:22-24, onde se menciona o
"monte Sião" para representar a igreja, porque o mediador do novo
pacto de Deus agora é Cristo Jesus. A visão de João dos 144.000 israelitas em
Apocalipse 7 deve ser interpretado igualmente de acordo com a hermenêutica do
evangelho (ver o cap. VIII desta obra). Uma aplicação literal dos símbolos
hebraicos em Apocalipse 11 nega o evangelho e ignora que o Apocalipse está
centrado em Cristo.
A Natureza Proléptica
de Apocalipse 11:1-13
João usa com frequência o estilo literário da prolepse, quer
dizer, antecipar um acontecimento futuro introduzindo um símbolo novo que se
explica mais tarde. Em Apocalipse 1 antecipa o evento culminante de todo o
livro: "Eis que vem com as nuvens..." (Apoc. 1:7), tema que João
desenvolverá em Apocalipse 6:12-17, 14:14-20 e 19:11-21. Todas as promessas divinas
nos capítulos 2 e 3 são descrições prolépticas breves do que se desenvolve
extensamente nos capítulos 21 e 22.
Outro exemplo está em Apocalipse 14:8, onde apresenta pela
primeira vez a "Babilônia" por meio de uma prolepse e desenvolve seu
significado completo nos capítulos 16 a 18. As 7 últimas pragas se mencionam
brevemente primeiro em Apocalipse 15, e depois se desenvolvem detidamente em
Apocalipse 16.
Todo o Apocalipse é uma revelação coerente, indivisível e
progressiva, e nele estão intimamente relacionadas todas as visões. Sempre que
seccionamos um capítulo da unidade total e tratamos de aplicá-lo ao mundo ou à
história da igreja, estamos destinados a interpretar mal seu significado.
Portanto, uma exegese responsável pelo Apocalipse respeitará a conexão
estrutural de todas as suas visões. Com respeito ao capítulo 11, muitos
consideram que é um dos capítulos mais difíceis de interpretar do livro; outros
o vêem como um resumo proléptico dos capítulos 12 a 22.
Joseph S. Considine concluiu em seu estudo instrutivo sobre
Apocalipse 11, que os capítulos 10 e 11 "narram um relato contínuo, no
qual o capítulo 10 forma uma introdução solene para o capítulo 11", de
maneira que o 11 antecipa prolepticamente os acontecimentos de Apocalipse 12 e
13. Também se deu conta dos interlúdios paralelos dentro dos selos (cap. 7) e
das trombetas (caps. 10 e 11 ), e por isso declarou:
"Mas é mais que um paralelo; completa o que nos disse
no episódio entre o sexto e o sétimo selo, já que o que não se diz em um,
diz-se no outro. Estas visões interpostas nos dão um quadro da vida interior da
igreja de Cristo durante a luta... as visões interpostas apontam à obra e à fé
dos verdadeiros filhos de Deus... Os acontecimento preditos nos capítulos 7 e
10-11:1-13 são necessários como prelúdios do fim".2
Se reconhecermos estas relações estruturais, não podemos
tratar mais estas seções como digressões desnecessárias, mas sim antes como
partes essenciais que encaixam exatamente na estrutura total do livro. Nenhuma
perícope pode separar-se ou dividir-se do que a rodeia. Toda a linguagem
figurada de Apocalipse 11 fica esclarecida pela própria Bíblia, o que significa
que Apocalipse 11 deve interpretar-se por seu contexto imediato (quer dizer,
dos capítulos circundantes que tratam com o tempo do fim) e por seu contexto
mais amplo no Antigo Testamento, antes que se possa empreender a tarefa de
fazer qualquer aplicação à história.
Apocalipse 11 oferece uma antecipação da última crise de fé
para os crentes verdadeiros que vivem no mundo; será uma crise universal
(menciona-se 4 vezes a palavra "terra" ) causada pelo testemunho
corajoso das testemunhas de Deus entre uma população hostil descrita pela frase
estereotipada "os moradores da terra" (v. 10).
Para João, "os moradores da terra" definem-se
teologicamente como os que são enganados pela adoração idolátrica da besta (ver
Apoc. 13:8, 12, 14; 17:2) e cujos nomes não estão escritos no livro da vida
(17:8). São inimigos do povo de Deus e culpados do sangue dos santos (6:10).
Entretanto, a aparente derrota dos que adoram no templo de Deus será finalmente
mudada pelo ato de Deus. Serão vindicados por sua ressurreição dos mortos e por
sua ascensão visível ao céu "em uma nuvem" (11:11, 12), o mesmo que
seu Senhor experimentou durante sua vida na terra. Nesse momento, a recompensa
dos justos está acompanhada por um grande terremoto que obriga muitos a darem
"glória ao Deus do céu" (v. 13).
É evidente que Apocalipse 11:1-13 não é uma profecia isolada
sobre o povo judeu ou de acontecimentos seculares da história do mundo, mas sim
está inextricavelmente tecida na malha do Apocalipse de João,
estabelecendo uma
relação clara com Apocalipse 12 e 13 ao introduzir em forma proléptica as
unidades de tempo proféticas de "42 meses" e "1.260 dias"
em Apocalipse 11:2 e 3 (ver Apoc. 12:6, 14; 13:5). Apocalipse 11:7 introduz em
forma abrupta "a besta que sobe do abismo" sem nenhuma explicação
adicional de sua identidade até que Apocalipse 13 desenvolve suas conexões
históricas e teológicas com Daniel 7.
A recompensa dos mártires que aparece em Apocalipse 11:11 e
12 se volta a mencionar sob a sétima trombeta (11:16-18) e se amplia em
Apocalipse 14:1-5, 20:4-6 e 22:1-5. Em resumo, a visão simbólica de Apocalipse
11:1-13 é uma sinopse breve e uma antecipação da revelação progressiva dos
capítulos 12 aos 22.
Símbolos da Igreja
Verdadeira
"E foi-me dada uma cana semelhante a uma vara; e chegou
o anjo e disse: Levanta-te e mede o templo de Deus, e o altar, e os que nele
adoram. E deixa o átrio que está fora do templo e não o meças; porque foi dado
às nações, e pisarão a Cidade Santa por quarenta e dois meses. E darei poder às
minhas duas testemunhas, e profetizarão por mil duzentos e sessenta dias,
vestidas de pano de saco" (Apoc. 11:1-3).
É conveniente recordar que João tinha representado a igreja
cristã como um "reino de sacerdotes" para servir a Deus (Apoc. 1:6) e
como "sete castiçais" (vs. 12, 20) que se mantêm acesos pelo Cristo
ressuscitado (2:1, 5). Apocalipse 1 nos dá a chave para a aplicação dos
símbolos do santuário de Israel ao novo pacto, hermenêutica evangélica que está
fundamentada em Jesus como o Cordeiro expiatório e o Sacerdote de Deus (1:5).
Representa-se a igreja apostólica como o novo Israel de
Deus, como o povo do novo pacto, enquanto que a comunidade judia perseguidora é
caracterizada como a "sinagoga de Satanás" (Apoc. 2:9; 3:9). Cristo
permanece como o sustentador de sua igreja e não tolera sua corrupção.
Desmascara os ensinos enganosos dessa "mulher Jezabel" na igreja de
Tiatira (2:20), e anuncia seu juízo quando diz: "Matarei os seus filhos, e
todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e vos
darei a cada um segundo as vossas obras" (2:23). Por outro lado, Cristo
faz esta promessa à igreja da Filadélfia:
"Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus,
e daí jamais sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da
cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu
Deus, e o meu novo nome" (Apoc. 3:12).
O Cristo ressuscitado considera seus seguidores como
"colunas" espirituais no templo de Deus, os que levam o nome
"nova Jerusalém". Além disso aparecem representados como os 144.000
israelitas espirituais que servem a Deus "dia e noite em seu templo"
(Apoc. 7:15). Com esta valorização da igreja de Cristo, estamos preparados para
compreender a descrição simbólica da igreja e os gentios em Apocalipse 11.
Do céu é dado a João um caniço que serve como "uma vara
de medir", com a qual deve "medir" o templo [naós] de Deus e o
altar [thusiastérion] e os que adoram nele [NVI interpreta, "e conte os
adoradores que lá estiverem"] (Apoc. 11:1).
A questão fundamental é: O que significa a ordem para
"medir" o templo de Deus, o altar e seus adoradores? Há alguma
descrição similar no Antigo Testamento? Tanto Ezequiel como Zacarias descrevem
visões nas que se medem o novo templo prometido e a cidade de Deus. Zacarias
esclarece o ato de medir por meio da promessa que diz que Deus escolheu a
Jerusalém e que voltará para Sião depois do cativeiro babilónico para proteger
o seu povo (ver Zac. 1:16; 2:1-5). Para ele, "o ato de medir"
significou a promessa de restauração e amparo do fiel remanescente do Israel.
Ezequiel vê um mensageiro divino que mede com um caniço de
medir o templo prometido e a santa cidade (caps. 40-48). Esta visão também
comunica uma promessa de restauração da adoração pura de Deus para Israel que
volta do cativeiro (44:15, 16, 24) e tem o propósito de motivar os israelitas
no cativeiro a arrepender-se de seus pecados e a que sejam outra vez fiéis
(43:10, 11 ). Ezequiel destaca a pureza ritual e a santidade espiritual da
adoração no novo templo (44:9), e dessa forma separar "o sacro do
profano" (42:20; 44:23, NBE). O nome da cidade capital, com suas doze
portas, chamar-se-á: "O Senhor está ali" (48:35, NBE). Debaixo do
templo correrá um rio de águas vivificantes com árvores frutíferas em ambas as
margens (cap. 47). Reconhece-se geralmente que a visão que Ezequiel teve do
templo e de suas medidas está exposta como a Nova Jerusalém por João em
Apocalipse 21 e 22.
Em Apocalipse 11 é dito a João para medir "o templo de
Deus, e o altar, e aos que nele adoram" (v. 1). Na perspectiva de seus
protótipos do Antigo Testamento, este "medir" indica a
responsabilidade de João de separar a comunidade santa da contaminação da
adoração falsa e de restaurar sua verdadeira adoração no "templo de
Deus". Dentro do Apocalipse, o "templo de Deus" é
fundamentalmente o templo celestial onde Cristo ministra ante o trono de Deus
(5:6-10; 7:14-17; 11:19).
Os santos na terra entram agora pela fé e a oração neste
santuário celestial, e portanto são parte do templo de Deus no céu (ver Apoc.
8:3, 4; Heb. 10:19). Como seus nomes estão escritos no livro da vida do
Cordeiro, já não são mais parte dos (idólatras) "moradores da terra",
e embora fisicamente vivem sobre a terra, seu "cidadania está nos
céus" (Filip. 3:20). Estão "em Cristo" e, portanto, já estão sentados
com ele "nos lugares celestiais" (Ef. 2:6).
A igreja do tempo do fim deve restaurar esta adoração dos
santos dentro do templo celestial, e esta adoração restaurada deve incluir
"o altar" que estava dentro "do pátio dos sacerdotes" (um
dos pátios interiores do templo do Herodes) e que representa o sacrifício
expiatório de Cristo e sua intercessão por nós. A diferença fundamental entre a
adoração no santuário de Israel e a dos pagãos, era o conhecimento de que Deus
lhes tinha dado o "sangue" do sacrifício "para fazer expiação
sobre o altar por vossas almas" (Lev. 17:11 ).
O evangelho do Novo Testamento ensina que Deus "enviou
a seu Filho como propiciação por nossos pecados" (1 João 4:10; ver 2:2). A
obra expiatória de Cristo foi o propósito máximo da encarnação e do amor de
Deus, e só os verdadeiros crentes em Cristo podem participar deste
"altar" que representa a cruz da expiação (Heb. 13:10).
João também deve "medir" os adoradores. Isto
significa separar os verdadeiros adoradores da apostasia universal no tempo do
fim, e esta interpretação se confirma pela ordem de "deixar à parte"
[literalmente, "jogar fora"] o pátio que está fora, "e não o
meças, porque foi entregue aos gentios" (Apoc. 11:2). Este "pátio que
está fora" representa o território dos moradores da terra, onde os gentios
estabeleceram seu culto idolátrico. O mesmo que se instruiu a Ezequiel para que
se proibisse a qualquer estrangeiro que fora "incircunciso de coração e
incircunciso de carne" a entrar no templo (Ezeq. 44:9), assim agora João
deve excluir ou expulsar (ver João 9:34) a todos os adoradores que estão no
"pátio que está fora", quer dizer, os que não estão em Cristo, que
não entram no pátio interior mas sim antes adoram a besta.
Jesus fazia frente aos judeus com a afirmação absoluta de
seu messianismo: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o
agricultor. ... Se alguém não permanecer
em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo [literalmente, ebléthe êxo, 'é
jogado fora']" (João 15:1, 6). O Apocalipse amplia esta separação de todas
as pessoas em uma escala universal (Apoc. 22:14, 15).
João tinha indicado que ainda nas igrejas locais havia
alguns que eram meramente cristãos nominais ou que tinham sido enganados pelos
falsos profetas (Apoc. 2:14-16, 20-25; 3:1-5, 16). Se persistissem em sua
mornidão ou incredulidade, seriam rechaçados por Deus (2:23; 3:16).
Evidentemente, Deus tinha o propósito de restaurar e pôr à parte a adoração
verdadeira no tempo do fim da era cristã.
Para uma elucidação adicional de Apocalipse 11, precisamos
considerar o contexto do Apocalipse. É proveitoso comparar as visões do tempo
do fim dos selos e das trombetas. O selamento dos 144.000 israelitas
espirituais em Apocalipse 7 deve colocar-se lado a lado com a medição dos
adoradores do templo da cidade santa, comparação que provoca a surpresa da
unidade essencial de ambas as visões do tempo do fim. A respeito, uma erudita
assinala que "medir os santos e excluir os profanos precede à sétima
trombeta assim como o selamento dos escolhidos precede o sétimo selo".3
Praticamente todos os comentadores bíblicos relacionam a
"medição" dos santos em Apocalipse 11 com o "selamento" de
um número determinado de santos em Apocalipse 7, e interpretam ambos os fatos
como a promessa especial de Deus de proteger e preservar a seus filhos durante
a crise de fé do tempo do fim. Roy Naden conclui dizendo: "Dessa forma, a
medição do templo pode entender-se como uma forma simbólica de dizer que Deus
preserva ou 'sela' a sua igreja durante os juízos finais derramados sobre os
ímpios antes que Jesus retorne".4 Deus deseja, obviamente, assinalar os
verdadeiros adoradores como seu povo especial e os põe à parte para que levem a
cabo um serviço especial no mundo. A ordem de Deus a João para medir o templo
(Apoc. 11:1, 2) é o resultado de comer e digerir o livrinho aberto de
Apocalipse 10. Terá que ter em conta que o possuir novo conhecimento produz uma
prova de fé e compromisso.
O Pisar da Cidade
Santa
"E eles [os gentios] pisarão a cidade santa por
quarenta e dois meses" (Apoc. 11:2).
Esta predição da opressão une duas visões no livro de
Daniel: as que aparecem nos capítulos 7 e 8. Daniel tinha esboçado todo o
desenvolvimento da história da salvação desde seus dias até o juízo final (Dan.
7). Desde os dias de Babilônia tinha previsto os grandes impérios mundiais, o
último dos quais seria o duradouro império romano que "pisaria" a
todas as suas vítimas (Dan. 7:7, 19, 23).
Mas Daniel foi além da Roma imperial quando viu como se
esmiuçaria em pequenos reinos (os "dez chifres"). Seu interesse
principal foi o conseguinte "chifre pequeno" (Dan. 7:24) que se
impunha com exigências políticas e religiosas e com uma "boca que falava
grandes coisas" (v. 8). O anjo interpretador assinala as características
específicas desse poder que exerceria um reino de terror sobre os santos.
"Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os
santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão
entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (Dan.
7:25).
Este poder antiDeus (o "chifre pequeno") lutaria
com os santos durante 3 ½ tempos proféticos (ou "anos"), o que faz 42
meses proféticos e dessa forma estabelece um elo específico entre Daniel 7 e
Apocalipse 11. Em Daniel 8 o próprio "chifre pequeno" é descrito como
o arquiinimigo de Israel, que invade a "terra gloriosa" e depois
pisoteia o lugar santo e os seus adoradores (8:9-13).
Aqui temos um vínculo patente entre o Daniel 8 e Apocalipse
11. Enquanto que os santos adoram a Deus e a Cristo ao entrar no templo
celestial por meio da fé, ainda permanecem em forma física na terra. Com
respeito a sua existência terrestre, descreve-se aos santos como "a cidade
santa" que não pode ser pisoteada pelos poderes hostis dos
"gentios". O desgaste dos santos só é permitido ["serão
entregues"] por um período de tempo limitado, por "42 meses".
Esta unidade de tempo também é usada para o tempo que concedido à besta do mar
em Apocalipse 13 que blasfema o nome de Deus, "de seu tabernáculo, e dos
que moram no céu" (Apoc. 13:5, 6). Por isso o pisar da cidade santa em
Apocalipse 11 se explica em Apocalipse 13:1-8 como o tempo de perseguição dos
adoradores por parte do anticristo, conexão que confirma a interpretação de que
Apocalipse 11 descreve os santos de Deus como a "cidade santa" (cf.
20:9).
Tudo isto indica que Apocalipse 11 é uma prolepse ou
antecipação dos capítulos que seguem, enquanto o livro do Daniel constitui a
principal raiz primária de Apocalipse 11-13. O Apocalipse transforma por meio
do evangelho a linguagem profética de Daniel, quer dizer, desenvolve as
predições de Daniel em termos de Cristo e seus seguidores como os santos e
adoradores verdadeiros de Deus.
As unidades de tempo de Daniel 7:25 e Apocalipse 11:2 e 3 se
caracterizam pela opressão e a perseguição espirituais. Com respeito a isso, há
uma correspondência com os 3 ½ anos do testemunho de Elias durante a
perseguição do rei apóstata de Israel, Acabe e sua esposa pagã, Jezabel (ver
Luc. 4:25; Sant. 5:17).
Aplica-se Apocalipse
11 ao Povo Judeu?
André Feuillet representa os que afirmam que os capítulos 5
a 11 tratam especificamente sobre "os judeus incrédulos" (incluindo
as duas séries dos selos e das trombetas) e em forma específica do juízo divino
manifestado na destruição de Jerusalém no ano 70. Portanto conclui que as
palavras de Apocalipse 11:8: "...onde também nosso Senhor foi
crucificado", não se referem a Roma e sim à "Jerusalém
incrédula".5 Esta hipótese determina também sua interpretação de Apocalipse
11:2 e 3 e sua aplicação histórica ao povo judeu.
Feuillet escolhe o anúncio de Lucas 21, que "Jerusalém
será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se cumpram" (v.
24), como sua norma guiadora para interpretar Apocalipse 11, e sua conclusão é
a seguinte: "Assim como Jesus deseja indicar por estas palavras [em Luc.
21:24] o castigo futuro dos judeus culpados, assim também a parte do templo que
seria 'pisada' deve representar os judeus apontados para o castigo".6
A princípio este raciocínio de uma analogia ou
correspondência entre Apocalipse 11:2 e Lucas 21:24 parece lógico, mas contém
um defeito oculto da exegese do Apocalipse. De acordo com o Feuillet, o
Apocalipse é uma "releitura cristã maciça do Antigo Testamento".
Entretanto, falha em relacionar Apocalipse 11:2 com as visões do templo em
Daniel 7 e 8. A correspondência requer que devamos situar o "pisoteio do
lugar santo" (e dos adoradores em Apoc. 11) dentro do curso do esboço
profético de Daniel. Esta correlação com Daniel 7 e 8 é indispensável para uma
compreensão adequada de Apocalipse 11, porque Daniel 7 é a raiz principal do
Apocalipse de João.
Daniel apresenta os poderes mundiais sucessivos que
perseguirão o povo do pacto de Deus. Esta ordem, em sequência, é de suprema
importância para identificar o anticristo no Apocalipse e para se localizar sua
unidade de tempo característica de "42 meses" ou "1.260
dias" dentro da era da igreja, e só da perspectiva da cronologia sagrada
de Daniel podemos evitar a armadilha de tomar as unidades de tempo profético em
Apocalipse 11 a 13 como totalmente alegóricas e significando algum tempo
indefinido de perseguição. Os "42 meses" ou "1.260 dias"
não são elásticos ou atemporais, já que se originam na visão de Daniel 7, onde
determinam o período de tempo para o reino despótico do "chifre
pequeno" depois do desmoronamento do Império Romano no ano 476 de nossa
era (ver Dan. 7:8, 23-25).
Isolar o Apocalipse do livro de Daniel é igual a cortar a
raiz (Daniel) de seu fruto (o Apocalipse). Só Daniel atribui cada símbolo
apocalíptico a acontecimentos concretos da história. Por conseguinte, ignorar o
modelo cronológico da profecia de Daniel na interpretação do Apocalipse pode
considerar-se como um engano fundamental.
Como resultado desta
falha em apreciar a relação entre Daniel e o Apocalipse, Feuillet escolhe Lucas
21:24 como seu modelo para explicar que Apocalipse 11:2 descreve os culpados
"judeus assinalados para o castigo". A consequência da equivalência
de Apocalipse 11:2 e Lucas 21:24 é que os adoradores "no templo de
Deus" (do Apoc. 11) são judeus que crêem em Cristo, e que a "cidade
santa" e o "pátio que está fora" representa os judeus que
rechaçam a Cristo, o "judaísmo incrédulo". Feuillet apóia esta
conclusão referindo-se a Lucas 13:25-28 como "a passagem paralela
legítima".7
Entretanto, o Apocalipse não se concentra sobre os cristãos
de origem judaica em nenhuma de suas visões ou interpretações angélicas. O
"templo de Deus" é consistente com o templo celestial onde o Cristo
ressuscitado ministra ante o trono de Deus (Apoc. 11:19; 15:5, 8). Suas
"colunas" espirituais são todos os crentes da igreja cristã (3:12).
Por meio de Cristo os adoradores verdadeiros de todas as nações chegaram a ser
"um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai" (1:6; também 5:10, CI).
Todos os crentes cristãos entram pela fé no templo celestial (5:8; 8:3, 4);
constituem o "reino" de Deus sobre a terra (1:6; 5:10) ou a
"cidade santa" (11:2; cf. 20:9). A teologia da adoração no Apocalipse
não permite a nenhum expositor restringir "os que nele adoram [no templo
de Deus]" aos judeus ou limitar "a cidade santa" aos judeus que
crêem em Cristo, já que estes termos hebraicos são os símbolos apocalípticos
para o povo do novo pacto do Messias Jesus, como se descreve nas 7 igrejas de
Apocalipse 2 e 3.
Se usarmos as "chaves" inspiradas da Escritura
para resolver o significado do Apocalipse de João, ou seja o Antigo Testamento
e o evangelho de Cristo (ver o cap. X desta obra), devemos rechaçar o
literalismo especulativo que reduz a mensagem de Apocalipse 11 ao castigo de
judeus culpados como em Lucas 21:24. A fonte hebraica de "pisar a cidade
santa" em Apocalipse 11 é o pisoteio do lugar santo e de seu exército em
Daniel 7 e 8. Daniel descreve como o templo de Deus e seus adoradores
verdadeiros seriam pisoteados, não pelo Império Romano mas sim por uma adoração
rebelde e idólatra que causa a prevaricação assoladora (ver Dan. 7:21, 25;
8:11-13; 11:31-35; 12:11).
João reserva a frase "a cidade santa" para a Nova
Jerusalém, a morada eterna dos santos (Apoc. 21:2, 10), para "a cidade
amada [de Deus]" (20:9). João equipara profeticamente a Jerusalém com a
Sodoma e Egito (11:8). Assim o explica R. H. Charles:
"A segurança inviolável que os judeus concediam ao
templo é reinterpretado por nosso autor como significando a segurança
espiritual da comunidade cristã, apesar dos ataques de Satanás e do anticristo.
Mas essa segurança espiritual não exclui o martírio, como Apocalipse 11:3-13 o
esclarece".8
As Duas Testemunhas
Enquanto Deus entrega o pátio que está fora aos gentios
perseguidores, diz: "E darei poder às minhas duas testemunhas, e
profetizarão por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco"
(Apoc. 11:3). A conjunção copulativa "e" aponta ao desenvolvimento do
versículo 2. O período do ministério dos "duas testemunhas" de Deus
(v. 3) é o mesmo que o período no qual se acha "a cidade santa" (v.
3). Isto pressupõe que a "sua designação em dias antes que em meses não é
mais que uma variação literária (os meses solares têm 30 dias)".9 Também
nos ajuda a referência do tempo para o cuidado protetor que Deus tem da
"mulher" simbólica em Apocalipse 12, conforme o veremos na seguinte
comparação:
APOCALIPSE 11:3
"E darei poder às minhas duas testemunhas, e
profetizarão por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de
saco".
APOCALIPSE 12:6
"A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia
Deus preparado lugar para que nele a sustentem durante mil duzentos e sessenta
dias".
Esta comparação de ambas as profecias ilumina o caráter dos
"1.260 dias" e intercambia os "duas testemunhas" de Deus
com a "mulher" de Deus. Deus preserva o testemunho de suas próprias
testemunhas e sustenta o seu ânimo no deserto de um mundo escuro. Dessa forma,
os "duas testemunhas" funcionam como um símbolo paralelo para a
igreja que testifica.
O Apocalipse começa com uma visão de Cristo ministrando em
meio dos 7 candelabros que se diz representarem a igreja, estendendo-se desde a
sua ressurreição até à sua volta (Apoc. 1:12-16, 20; 2:1). Cristo também pode
"remover" qualquer castiçal de um povo impenitente (2:5). Portanto, a
verdadeira sucessão apostólica não se determina pela antiguidade, mas sim pela
fidelidade à palavra de Deus e ao testemunho de Cristo. A luz de Cristo e o seu
testemunho a respeito da obra redentora de Deus, nunca cessará até que termine
o tempo de graça.
Cristo alimentará a sua igreja com alimento espiritual de
maneira que possam permanecer como a luz do mundo e o sal da terra (ver Mat.
5:13, 14). As Suas testemunhas espirituais autorizadas a dar testemunho não se
manterão quietos. Quando os discípulos louvaram a Deus "em alta voz"
enquanto Jesus fazia a sua entrada triunfal em Jerusalém, alguns dos fariseus
lhe disseram: "Mestre, repreende os teus discípulos! Mas ele lhes
respondeu: Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras
clamarão" (Luc. 19:39, 40). Quando a profecia do tempo do fim se cumpra na
história, as testemunhas de Deus darão testemunho dela sob juramento nos
tribunais durante a perseguição, como Jesus fez ante Pilatos (ver 1 Tim. 6:13).
Durante o reinado do anticristo e o pisoteio da "cidade
santa" pelos gentios, Deus comissiona a suas duas testemunhas para que
profetizem "vestidas de pano de saco" (Apoc. 11:3). Cristo
comissionou os seus apóstolos, e por extensão os seus seguidores, para que dêem
testemunho da sua obra redentora até ao fim do tempo:
"Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito
Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e
Samaria e até aos confins da terra" (At. 1:8; ver também Mat. 28:18-20;
Luc. 24:48).
Por que João descreve a "duas testemunhas" de Deus
nesta representação simbólica? Alguns expositores aplicam as duas testemunhas,
ou os dois castiçais, aos mártires das 7 igrejas, quer dizer, aos cristãos que
testificaram intrepidamente do evangelho no mundo como verdadeiros profetas de
Deus, e que morreram pelo evangelho. Outros sugerem a dois personagens
distintos, como Enoc e Elias, ou Pedro e Paulo (que foram martirizados por Nero
em Roma), ou outros dois personagens. Robert Mounce faz este comentário:
"Alegoricamente, podem ser a lei e os profetas, a lei e
o evangelho, o Antigo Testamento e o Novo Testamento, Israel e a igreja, Israel
e a Palavra de Deus, as igrejas de Esmirna e Filadélfia".10
Kenneth A. Strand apresentou o tratamento mais proveitoso a
respeito no seu artigo sobre as duas testemunhas de Apocalipse 11:3-12. Dá
devida consideração ao marco contextual das duas testemunhas em Apocalipse 11 e
o aplica à sexta trombeta na era da igreja. Além disso observa que as duas
testemunhas funcionam como uma unidade inquebrantável, que experimentam juntos
cada coisa. A característica básica da sua missão é sua proclamação da obra de
advertência de Deus. Sobretudo, Strand assinala a teologia das duas testemunhas
que satura o livro do Apocalipse, como se expressa em Apocalipse 1:2, 9; 6:9;
12:17; 14:12 e 20:4. Explica esta característica que passou muito por alto:
"O acima expresso deixa claro que a 'palavra de Deus' e
o 'testemunho de Jesus' proporcionam um conceito ou um tema que impregna,
aponta e é a razão fundamental do livro do Apocalipse, e se diz que o mesmo
Apocalipse proclama esta dupla mensagem divina (1:2)"11
Isto significa que o duplo testemunho de Deus consiste do
Antigo Testamento e do Novo Testamento como uma unidade inquebrantável, o que
também foi afirmado pelo anjo de Apocalipse 10:7, que une a corroboração
profética no Antigo Testamento com o evangelho cristão do Novo Testamento. A
ênfase em ambos os testamentos assinala a um reavivamento da Bíblia como a
autoridade para a adoração verdadeira no tempo do fim. O Apocalipse explica que
o testemunho de Jesus às igrejas está inspirado pelo Espírito de profecia, que
inspirou os profetas de Israel (Apoc. 19:10; ver 2:7, 11, 17, 29, etc.; também
1 Ped. 1:10, 11). O testemunho histórico professado por Jesus, tal como
registrado no Novo Testamento, vem ao mundo com a mesma autoridade divina como
o do Antigo Testamento e será a norma no juízo filial, como Jesus declarou:
"Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem
quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último
dia. Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse
me tem prescrito o que dizer e o que anunciar" (João 12:48, 49).
Strand explica a importância da teologia destas duas
testemunhas da seguinte maneira:
"No livro do Apocalipse, a fidelidade à 'palavra de
Deus' e ao 'testemunho de Jesus Cristo' separa ao fiel do infiel, e causa
perseguição que inclui o próprio desterro de João e o martírio de outros
crentes (ver outra vez Apoc. 1:9; 6:9; 12:17; 20:4, etc. )".12
Nesta perspectiva, as duas testemunhas são em primeiro lugar
a Palavra de Deus e o testemunho histórico de Jesus, "ou o que hoje
chamamos a mensagem profética do Antigo Testamento e o testemunho apostólico do
Novo Testamento... mesmo que em segundo lugar pode ser uma referência, também,
à igreja em um sentido derivado como o proclamador da mensagem divina".13
Entretanto, precisamos nos dar conta de que não se pode separar a Bíblia e a
verdadeira igreja de Cristo. A Bíblia que consiste de "a palavra de Deus e
o testemunho de Jesus" constitui o fundamento firme e a legitimação da
igreja. Só o testemunho bíblico autentica a igreja verdadeira e sua sucessão
apostólica. A fidelidade à mensagem do evangelho apostólico também identifica a
mulher fiel de Apocalipse 12, em contraste com a mulher infiel do capítulo 17.
A igreja fiel é o meio indicado por Cristo para dar testemunho ao mundo (ver
At. 1:8; Luc. 24:48; Apoc. 22:17). Jesus recalcou que seu testemunho do
evangelho deve ser pregado por testemunhas viventes antes que o evangelho possa
ser uma testemunha legal no juízo:
"E será pregado este evangelho do reino em todo mundo,
para testemunho [eís martúrion, "por testemunha"] a todas as nações;
e então virá o fim" (Mat. 24:14).
O rechaçar as testemunhas de Deus, indica que tanto a
Escritura como a igreja fiel são rechaçadas e perseguidas. A igreja de Deus se
caracterizará por sua renovada atitude em favor da Bíblia como as testemunhas
unidas dos dois testamentos para cumprir sua missão e mandato no tempo do fim.
As duas testemunhas de Apocalipse 11 não são o Antigo Testamento e o Novo
Testamento isolados das testemunhas vivas de Deus, que são os proclamadores da
mensagem divina de ambos os testamentos. A união essencial de ambas as
testemunhas se ilustra em Apocalipse 10, onde o livrinho aberto ia ser digerido
e proclamado por João como o representante do povo de Deus!
Os "duas testemunhas" de Deus em Apocalipse 11
pregarão "vestidos de saco" (Apoc. 11:3), o que no Antigo Testamento
significava a expressão de aflição ou arrependimento do pecado (Gén. 37:34; 1
Reis 21:27; Nee. 9:1; Est. 4:1; Dan. 9:3; Joel 1:13; Jon. 3:8; Mat. 11:21).
Também era considerado como um vestido distintivo do profeta (Zac. 13:4),
especialmente desde que Elias tinha caminhado com um "vestido de
pêlos" (2 Reis 1:8) e também mais tarde João Batista (Mat. 3:4). As
testemunhas de Deus proclamam a necessidade urgente de arrepender-se, porque
"a grande cidade" (Apoc. 11:8, chamada mais tarde "Babilónia")
será destruída logo pelos juízos divinos (caps. 16-18). Por isso profetizam as
testemunhas. Entretanto, isso causará um rechaço universal e
"tormento" (11:10). Pelo visto, os moradores da terra não encontrarão
descanso das acusações de suas consciências turvadas enquanto as testemunhas de
Deus lhes dêem testemunho.
Bênçãos e Maldições
das Duas Testemunhas
Apesar da oposição universal, a missão das testemunhas de
Deus será realizada depois de "1.260 dias". Entretanto, Deus
reabilitará a seus "profetas" fiéis ressuscitando-os dos mortos e
recompensando-os com uma ascensão visível ao céu em uma nuvem, similar à nuvem
de seu Senhor. Uma descrição tão vívida é a que inspira a todos os fiéis quando
têm que fazer frente a um inimigo irresistível. Alan F. Johnson faz este
comentário: "Isto assegura ao povo de Deus que não importa quantos dos seus
santos escolhidos sejam oprimidos e mortos, as testemunhas de Deus continuarão
atestando de Cristo até que se cumpram os propósitos de Deus".14
A linguagem que João usa em Apocalipse 11:4-12 é tirada de
várias passagens do Antigo Testamento e mostra seu estilo de simbolismo combinado.
Toma-se a liberdade para adaptar as descrições hebraicas. Descreve as
"duas testemunhas" como "as duas oliveiras e os dois candeeiros
que se acham em pé diante do Senhor da terra" (Apoc. 11:4), e descreve
seus poderes divinos em termos dos de Elias, Jeremias e Moisés (vs. 5, 6). Uma
confluência como esta de imagens hebraicas tende a ressaltar a continuidade
básica do pacto de Deus com seus escolhidos até o fim. Garante a fidelidade de
Deus ao novo Israel, as testemunhas de Cristo, os "castiçais" em um
mundo escuro.
João tira seu seguinte quadro simbólico de Zacarias 4,
profeta que usou duas oliveiras para representar aos dois israelitas
"ungidos" de seus dias que serviam "diante do Senhor de toda a
terra", quer dizer, o rei Zorobabel e o supremo sacerdote Josué (Zac.
4:11-14). Estas oliveiras proporcionavam "azeite como ouro" para o
candelabro com 7 abajures (vs. 2, 3, 12). A mensagem ilustrada de Zacarias aos
israelitas que retornavam do cativeiro babilónico era clara: Deus proveria seu
Espírito à liderança religiosa e política de Israel, de maneira que pudessem
terminar a edificação de seu templo (vs. 6-9).
João descreve um quadro similar para a igreja do tempo do
fim, já que vê as duas testemunhas como dois castiçais e como dois oliveiras
que "estão em pé diante do Senhor da terra" (Apoc. 11:4). É óbvio,
deve entender-se que seu significado simbólico está em uma continuidade básica
com o de Zacarias 4. A igreja, como sacerdotes reais (1:6; 5:10), deve ir
adiante no poder do Espírito Santo para terminar de edificar o templo
espiritual do povo de Deus na terra, apesar da cruel oposição. A palavra
"terra" é usada 4 vezes em Apocalipse 11:4-10, enfatizando a missão
universal da igreja.
Depois João manifesta a autoridade judicial das duas
testemunhas de Deus (Apoc. 11:5, 6). O conceito hebraico de represália fica
revalidado agora. Como as duas testemunhas estão autorizadas diretamente por
Deus, ratifica-se seu testemunho que não pode ser resistido sem consequências
graves. Jeremias descreveu figuradamente um juízo anterior de Deus sobre um
Judá impenitente: "Eis que converterei em fogo as minhas palavras na tua
boca e a este povo, em lenha, e eles serão consumidos" (Jer. 5:14). Um
exemplo literal de semelhante poder foi a sentença de Elias sobre dois regimentos
reais que vieram para prendê-lo e morreram instantaneamente, consumidos por
fogo (2 Reis 1:10-12). Elias pronunciou uma maldição do pacto sobre a terra,
fechando o céu para que não chovesse. Como Moisés tornou as águas em sangue,
assim as testemunhas do tempo do fim receberão poder sobrenatural do mesmo Deus
do pacto (Apoc. 11:5, 6).
Segundo parece, o propósito de tais castigos é levar os
inimigos Deus a reconhecer a suas testemunhas e a aproveitar a necessidade de
arrepender-se. Aqui observamos uma correspondência essencial com os castigos
das trombetas que foram enviados do céu em resposta às orações dos santos
perseguidos (Apoc. 8:3-5).
Antecipação da
Perseguição do Tempo do Fim
As advertências das duas testemunhas experimentam a mesma
oposição que a que Cristo e seus apóstolos experimentaram em Jerusalém. João
prediz:
"E, quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe
do abismo lhes fará guerra, e as vencerá, e as matará" (Apoc. 11:7).
Este texto é a primeira referência sobre "a besta"
[theríon, "animal selvagem"] no Apocalipse. Tem sua raiz central na
quarta "besta" de Daniel 7, que faz guerra contra os santos. Mas
agora a besta "sobe do abismo". G. B. Caird nota um princípio
fundamental: "Sempre que os homens reclamam poder despótico, recusando
reconhecer que são responsáveis ante Deus pelo uso que lhe dão, ali o monstro
sobe do abismo".15
Apocalipse 11 se concentra sobre os santos martirizados que
não se sepultam "na praça da grande cidade que, espiritualmente, se chama
Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado" (v. 8). João se
refere manifestamente à cidade de Jerusalém, onde Cristo foi crucificado
"fora da porta" (Heb. 13:12), e onde os seguidores de Cristo também
foram perseguidos por seu testemunho do Cristo crucificado (At. 4-7).
João agora descreve Jerusalém como uma cidade que chegou a
estar, aos olhos de Deus, tão degradada moralmente como Sodoma, opressora como
o Egito (ver também Isa. 1:9; Ezeq. 16:26; Jer. 23:14) e culpada da
crucificação de Cristo (Apoc. 11:8). João a chama "a grande cidade",
uma frase que se usa 7 vezes exclusivamente para "Babilónia" em todo
o resto do livro (16:19; 17:18; 18:10, 16, 18, 19, 21). A "grande
cidade" está colocada em notório contraste com a "cidade santa"
(Apoc. 11:2). A esfera de ação de ambas as cidades é universal no tempo do fim.
Paul S. Minear interpreta o conflito constante entre as duas cidades, "a
cidade santa" e "a grande cidade" em Apocalipse 11:2 e 8, à luz
da morte e ressurreição de Cristo.
"Este acontecimento [de Cristo] revela... a presença de
'a grande cidade' em qualquer lugar que os homem rechacem a 'palavra de Deus e
o testemunho de Jesus', e a presença de 'a cidade santa' em qualquer lugar que
os homens são fiéis a essa palavra e testemunho... descreve-se a cidade santa
como o templo de Deus, seu altar, e os que adoram nele (xi.1). Descreve-se à
outra como o lugar onde os moradores da terra servem e adoram à besta (xi.7). É
a inimizade entre os dois senhores que revela a natureza de ambas as cidades...
O 'testemunho do Jesus' capacita João a discernir os limites entre as duas
cidades, assim como a discernir o término verdadeiro de uma e o término
enganoso da outra".16
Esta interação dinâmica da cidade santa (Jerusalém) e da
cidade corrompida (Babilónia) em Apocalipse 11 é só uma antecipação das visões
ampliadas da mulher pura e a meretriz em Apocalipse 12 e 17.
A Imitação de Cristo
das Duas Testemunhas
É notável que Deus permita que as duas testemunhas sejam
mortas depois que terminaram a sua missão, quer dizer, depois dos 1.260 dias
proféticos. Aqui observamos uma correspondência essencial com a missão e a
morte do Filho de Deus que foi crucificado só depois de ter completado sua
missão (João 12:23; 13:1; 17:1). Este modelo messiânico amplia-se
posteriormente à ressurreição das testemunhas e sua ascensão celestial numa nuvem
de glória (Apoc. 11:11, 12). A sua missão está unida intimamente com a de seu
Senhor, a quem João chama "a testemunha fiel, o primogénito dos
mortos" (Apoc. 1:5; também 3:14).
Estamos justificados em aplicar esta descrição simbólica
tanto às Escrituras como à igreja que proclama fielmente as Escrituras no tempo
do fim. Entretanto, devemos compreender que muitas aplicações históricas no
passado demonstraram ser só cumprimentos parciais, de maneira que devemos estar
alerta ao cumprimento completo nos acontecimentos finais do tempo do fim.
João tinha anunciado antes que muitos fiéis seriam
"guardados" da hora final de prova (Apoc. 3:10). Contudo, muitos
santos que dão testemunho serão mortos no tempo do fim e seu testemunho
universal será emudecido pelo ódio fanático dos "moradores da terra".
Então se cumprirão em todo o globo as palavras do Jesus: "E matarão a
alguns de vós; e serão aborrecidos de todos por causa de meu nome" (Luc.
21:16, 17). Por outro lado, todo mundo se regozijará e enviarão presentes uns
aos outros quando se sentirem aliviados da voz de repreensão.
Uma situação similar ocorreu no Egito quando Israel tinha
saído (Sal. 105:38). Mas seu gozo terá uma vida efémera, só "três dias e
meio" (Apoc. 11:9, 11). Este período de tempo está em contraste chamativo
com os 1.260 dias do ministério das testemunhas de Deus, quem honrará logo a
suas testemunhas com uma vindicação espetacular do céu. João agora toma da
maravilhosa visão de Ezequiel para descrever a ressurreição das testemunhas
executadas.
"E, depois daqueles três dias e meio, o espírito de
vida, vindo de Deus, entrou neles; e puseram-se sobre os pés, e caiu grande
temor sobre os que os viram. E ouviram uma grande voz do céu, que lhes dizia:
Subi cá. E subiram ao céu em uma nuvem; e os seus inimigos os viram"
(Apoc. 11:11,12).
Chama-nos a atenção a reinterpretação criativa que João faz
da visão de Ezequiel a respeito da restauração do Israel como uma teocracia
depois do cativeiro babilónico (Ezeq. 37). João vê a visão de Israel finalmente
realizada nas testemunhas de Cristo no fim do tempo:
EZEQUIEL 37:10
"Profetizei como ele me ordenara, e o espírito entrou
neles, e viveram e se puseram em pé, um exército sobremodo numeroso". APOCALIPSE 11:11
"Mas, depois dos três dias e meio, um espírito de vida,
vindo da parte de Deus, neles penetrou, e eles se ergueram sobre os pés, e
àqueles que os viram sobreveio grande medo".
Como no "vale dos ossos secos" de Ezequiel 37,
onde os corpos permaneceram insepultos, assim os corpos das testemunhas de
Cristo jazerão sobre a terra insepultos (Apoc. 11:9). A visão de Ezequiel
prometeu que Israel e sua adoração de Deus seriam restaurados depois de seu
cativeiro em Babilónia, e João também promete que as testemunhas fiéis de
Cristo, mortos por Babilónia na época da igreja, serão restaurados à vida no
reino de glória. João acrescenta sua ascensão milagrosa ao céu em uma nuvem,
assim como Cristo tinha subido ao céu em uma nuvem (At. 1:9). Portanto, não se
trata de um rapto dos cristãos, invisível e secreto! Esta ressurreição e o
arrebatamento visível será antes uma comoção universal que causa terror nos
corações dos moradores da terra (Apoc. 11:11, 12). Todas serão testemunhas da
mudança de papéis que Deus fará de seu santos desprezados.
"Naquela hora", um grande terremoto causará o
desmoronamento da décima parte da cidade, matando a "sete mil homens"
(Apoc. 11:13). Isto aterroriza os sobreviventes até o ponto que se sentem
constrangidos a dar "glória ao Deus do céu" (v. 13). Os 7.000
idólatras mortos pelo terremoto parecem funcionar como a contraparte dos 7.000
adoradores fiéis de Jeová que foram preservados por Deus no tempo do profeta
Elias (ver 1 Reis 19:18; Rom. 11:4), o que sugere que o castigo de Deus está
limitado em proporção à população total, permitindo ainda tempo para o
arrependimento e para que reconheçam sua glória. Como parte da sexta trombeta,
o terremoto de Apocalipse 11:13 é um precursor limitado do último terremoto (o
de Apoc. 6:12-14; 11:19; 16:17-21). Bauckham comenta a este respeito:
"O versículo 13 [de Apoc. 11] significa certamente que
todos os sobreviventes se arrependerão sinceramente e reconhecerão o único Deus
verdadeiro. A descrição de sua resposta corresponde ao convite do anjo que em
Apocalipse 14:6 e 7 chama as nações a reconhecer a Deus. Também está em
contraste com 9:20 e 21 (cf. 16:9-11)... Não a minoria fiel, e sim a maioria
infiel é a que é perdoada, com o fim de que possam chegar ao arrependimento e a
fé. Graças ao testemunho das testemunhas, o castigo é em realidade
salvífico".17
Esta interpretação de Apocalipse 11:13 considera o
testemunho dos mártires como eficaz entre as nações, especialmente pela forma
como fazem frente à morte, com a mesma vitória como a que Cristo manifestou. O
testemunho dos mártires mortos não terá sido em vão. Seu sangue chegará a ser a
semente de novos crentes, de maneira que se realizará a esperança dos profetas
de Israel para o tempo do fim:
"Todas as nações que fizeste virão, prostrar-se-ão
diante de ti, Senhor, e glorificarão o teu nome" (Sal. 86:9).
" Abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra o
temerão" (Sal. 67:7).
"Diante de mim se dobrará todo joelho, e jurará toda
língua" (Isa. 45:23).
A Aplicação Historicista
Os intérpretes protestantes aplicaram os "duas
testemunhas" de Apocalipse 11 a todos os que pregaram intrepidamente o
evangelho bíblico da salvação e que desmascararam a apostasia da igreja
medieval. Viram-nos como a contraparte positiva do anticristo, a besta que sobe
do abismo em Apocalipse 11:7. Dessa maneira estabeleceram sua missão e sua
autocompreensão protestante. Rodney L. Pedersen apresenta um relatório
instrutivo da história da exegese de Apocalipse 11:3-13.18 Entre as testemunhas
simbólicas se contaram Savonarola, Wycliffe, Huss, Jerônimo de Praga, Lutero,
Zuínglio, Melanchton, Calvino e muitos outros. A todos estes os considerou
inspirados pelo Espírito, como foi o profeta Elias, para proclamar "as
claras afirmações da Escritura Sagrada – doutrinas que tinham sido relutantes
em apresentar".19 Todos foram acusados falsamente e perseguidos "pela
palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo".20
A fins do século XVII alguns expositores de influência como
Pierre Jurieu (em 1687) e Drue Cressener (em 1689) aplicaram a profecia das
duas testemunhas aos protestantes franceses que foram assassinados em 1686
(depois da revogação do decreto do Nantes em 1685, mas que foi restaurado de
novo em 1890).21 Outros como Jonathan Edwards (1703-1758) viram a Reforma
predita na ressurreição e ascensão das testemunhas de Apocalipse 11:11 e 12,
porque os reformadores vieram com o poder da Palavra de Deus, um poder que pode
converter ou destruir.22
Intérpretes historicistas posteriores aplicaram a morte das
duas testemunhas à proscrição temporária da religião cristã na França durante a
Revolução Francesa. Por quase 4 semanas, desde 10 de novembro até 6 de dezembro
de 1793, o Concílio Nacional da França foi dominado pelas exigências excessivas
de alguns ultra revolucionários que rechaçaram publicamente o Deus do
cristianismo, puseram a um lado a Bíblia e inclusive aboliram o ciclo semanal
de 7 dias. Neste ato de desafio, a França manifestou um espírito de ateísmo e
portanto, muitos intérpretes proféticos começaram a aplicar Apocalipse 11:7 e 8
à guerra contra a Bíblia durante o reinado do terror da Revolução Francesa,
mais ainda porque isto ocorreu perto do fim dos 1.260 dias calculados de 538
até 1798. Ellen White, no Grande Conflito (1888, 1911), dedicou um capítulo especial,
o 16, à aplicação histórica de Apocalipse 11.
Enquanto que a descrição profética de Apocalipse 11 pode
aplicar-se a uma fase da Revolução Francesa se se restringirem as duas
testemunhas às Escrituras do Antigo Testamento e do Novo, uma quantidade de
característicos distintivos de Apocalipse 11 não se cumpriram completamente,
tais como a extensão mundial do testemunho dos mártires (vs. 9, 10); o período
de tempo dos "3 ½ dias" de rechaço de enterrar os corpos das duas
testemunhas (v. 9); e a declaração de que matará as testemunhas, "quando
tiverem acabado seu testemunho" (v. 7).
Resumo de Apocalipse
10 e 11
As visões de Apocalipse 10 e 11 dirigem seu feixe de luz ao
novo mandato da igreja no tempo do fim. Concentram-se sobre o tempo da sexta
trombeta, a fase final da era cristã, antes que termine o tempo de graça com a
sétima trombeta. A predição dos acontecimentos do tempo do fim em Apocalipse 10
e 11 está em um contraste notável com o quadro sombrio das visões das trombetas
(Apoc. 8 e 9), com o qual forma uma contraparte dramática.
As visões de Apocalipse 10 e 11 correspondem-se com a visão
do capítulo 7, que também descreve os acontecimentos do tempo do fim dentro da
série dos selos. Ambos os centros de atenção (Apoc. 7, 10 e 11) são visões para
animar os santos a perseverar até o fim. Enquanto que as trombetas representam
castigos de Deus cada vez maiores sobre os perseguidores, começando com a
destruição de Jerusalém e continuando durante a era cristã, Apocalipse 10 e 11
se centram na missão da reavivada igreja de Cristo, iluminada por uma nova
visão do livro de Daniel (Dan. 12:4) e habilitada com o Espírito de Deus (Apoc.
11:4-6), o que implica que o conflito entre a vontade revelada de Deus e os
poderes da religião apóstata se intensificarão à medida que transcorra o tempo.
A sexta trombeta (Apoc. 9:14-19) descreve a confrontação
final entre os adoradores inspirados pelo demónio e as testemunhas de Cristo
cheios do Espírito. O conflito final leva a uma perseguição legal, prisão e
execução de todos os que se aderem ao testemunho de Jesus. A guerra atroz que
se trava entre a besta e as testemunhas de Cristo em Apocalipse 11 se amplia em
Apocalipse 12 a 17. Estas ampliações se caracterizam por repetições deliberadas
dos símbolos chave (tais como unidades de tempo, o testemunho, a besta, os
moradores da terra), que servem como elos deliberados entre Apocalipse 11 e os
capítulos seguintes.
Enquanto que as imagens simbólicas de Apocalipse 10 e 11 são
tiradas do Antigo Testamento, todas são adaptadas ao evangelho de Cristo e a
suas testemunhas. Portanto, estes capítulos têm um caráter fortemente
antecipatório. Suas mensagens visionárias funcionam como uma perspectiva
proléptica das visões do tempo do fim de Apocalipse 12 a 22. Entretanto, João
deseja completar primeiro a série das trombetas com uma breve descrição da
sétima trombeta.
A Sétima Trombeta
"O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes
vozes, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e
ele reinará pelos séculos dos séculos" (Apoc. 11:15).
Nossa primeira impressão é que esta trombeta final não
contém nenhum "ai" porque anuncia só o começo do governo de Deus
sobre a terra. Não obstante, a sétima trombeta compreende um complexo cheio de
cenas para consumar o "mistério" de Deus (Apoc. 10:7), que mencionam
os 24 anciões em Apocalipse 11:16-18. Seu cântico de louvor anuncia a execução
do juízo de Deus sobre os mortos e os vivos como a manifestação de seu reino:
"Graças te damos, Senhor, Deus Todo-poderoso, que és, e
que eras, e que hás de vir, que tomaste o teu grande poder e reinaste. E
iraram-se as nações, e veio a tua ira, e o tempo dos mortos, para que sejam
julgados, e o tempo de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos
santos, e aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de
destruíres os que destroem a terra" (Apoc. 11:17, 18).
A expressão, "e iraram-se as nações, e veio a tua
ira", resume o tema do Salmo 2 e deve entender-se à luz deste salmo
messiânico. Neste salmo não se fala de guerras seculares, mas sim da ira das
nações contra o Deus de Israel e contra seu Messias (ver Sal. 2:6-9).
Para compreender o significado religioso dos acontecimentos
finais, devemos procurar suas descrições ampliadas nas visões dos capítulos 12
a 22. George Beasley-Murray expressou esta infra-estrutura literária do
Apocalipse nas seguintes palavras:
"Não nos equivocaremos muito se virmos o terceiro ai
refletido na primeira parte do versículo 18a, ao que se refere de forma mais
explícita o capítulo 16:17 (a sétima taça) e em maior plenitude o capítulo
17:12-18, que é cantado no lamento do capítulo 18 e nos hinos de júbilo em
19:1-10, e descritos em 19:11-16 (especialmente em 19:15)".23
Por Apocalipse 12 a 19 sabemos que a "ira" de Deus
se manifestará nas 7 últimas pragas (ver Apoc. 15:1). A sétima trombeta inclui
os ais das últimas pragas de Apocalipse 16. O canto litúrgico dos anciões no
céu apresenta uma sinopse de Apocalipse 12 a 22. Os capítulos 12 a 14 descrevem
os esforços demoníacos do príncipe deste mundo, Satanás, para destruir os
seguidores de Cristo. O canto profético dos anciões em Apocalipse 11 consola o
povo de Cristo, ameaçado pelas hostes do inimigo, que chegou o tempo [kronos]
para três acontecimentos finais: (1) para julgar aos mortos; (2) para
recompensar a todos os santos, e (3) para destruir os que destroem a terra
(Apoc. 11:18). A referência ao "destruidor" universal indica que o
oráculo de condenação contra a Babilónia antiga (ver Jer. 51:25) encontrará uma
consumação final. O tema de gratidão em Apocalipse 18 e 19 é o juízo contra Babilónia,
o destruidor do povo de Deus.
"Exultai sobre ela, ó céus, e vós, santos, apóstolos e
profetas, porque Deus contra ela julgou a vossa causa" (Apoc. 18:20; ver
também 19:2).
O ato divino da destruição de Babilónia expõe um ato do
reinado de Cristo. Seu propósito é essencialmente construtivo, a restauração de
sua criação. Provê a seu povo com a herança prometida, a nova terra. A
segurança do juízo e da recompensa dos santos nos recorda a visão fundamental
do Daniel na qual "até que veio o Ancião de Dias e fez justiça aos santos
do Altíssimo; e veio o tempo em que os santos possuíram o reino" (Dan.
7:22; ver também o V. 27). Esta tônica do Daniel também é o tema dominante no
livro do Apocalipse. A declaração feita sob a sétima trombeta de que veio o
tempo "para destruir os que destroem a terra" (11:18), confirma a
visão de Daniel de que o reino de Deus "esmiuçará e consumirá a todos
estes reino, mas ele permanecerá para sempre" (Dan. 2:44; também o v. 45).
Apocalipse 11 conclui com uma nova visão: "E abriu-se
no céu o templo de Deus, e a arca do seu concerto foi vista no seu templo; e
houve relâmpagos, e vozes, e trovões, e terremotos, e grande saraiva"
(Apoc. 11:19).
Quem se volte a ver o arca do pacto de Deus, combinado com
os instrumentos de guerra divina (terremoto, saraiva, trovão, etc.), assegura
de uma maneira dramática à igreja que Cristo se levantará para cumprir as
promessas do pacto de Deus. As descrições apocalípticas representam juízos
históricos para a humanidade rebelde. O Deus do pacto também é o Senhor da
história. Seu reino de justiça e misericórdia será estabelecido sobre a terra.
A segurança fundamental de Apocalipse 11 pode resumir-se nestas palavras:
"garantiram-se tanto o juízo sobre os inimigos de Deus como a vindicação
para a igreja. Esta é a grande
mensagem de Apocalipse 11".24
Hans K.
LaRondelle
Referências
1 Mounce,
The Book of Revelation, p. 218.
2
Considine, "The Two Witnesses: Rev. 11:3-13" (1946), pp. 378, 379.
3 J. M.
Ford, Revelation, p. 177.
4 Naden,
The Lamb Among the Beasts, p. 172.
5 Feuillet,
The Apocalypse, p. 61.
6 Feuillet,
Johannine Studies, p. 236.
7 Feuillet,
Ibid., pp. 236, 237.
8 Charles,
The Revelation of St. John, t. 1, p. xc.
9 Mounce,
The Book of Revelation, p. 223.
10 Mounce,
Ibid.
11 Strand,
"The Two Witnesses of Rev. 11:2-12", p. 132.
12 Ibid., p.
133.
13 Ibid.,
pp. 134, 135.
14 Johnson,
Revelation, p. 111.
15 Caird,
The Revelation of St. John the Divine, p. 137.
16 Minear,
"Ontology and Ecclesiology in the Apocalypse", pp. 98-100.
17
Bauckham, The Theology of the Book of Revelation, pp. 86, 87.
18 Ver o livro de R. L. Petersen.
19 Ellen
White, GC 608.
20 Ibid.,
p. 271.
21 Ver
Petersen, Preaching in the Last Days. The Theme of the 'Two Witnesses' in the
Sixteenth and Seventeenth Centuries, pp. 229, 250.
22 Ibid.,
pp. 230-232.
23
Beasley-Murray, Revelation, p. 188.
24 Naden,
The Lamb Among the Beasts, p. 179.
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