João usa 3 símbolos de tempo ("dias",
"meses", "tempos" ) em Apocalipse 11-13 para designar o
período quando seria pisada a cidade santa, o tempo das duas testemunhas, da
mulher no deserto, e do domínio da besta. Usa a frase "42 meses",
"1.260 dias" e "um tempo, e tempos e metade de um tempo",
como termos sinónimos que servem como elos vitais entre Apocalipse 11, 12 e 13.
É útil fazer uma comparação de dois versículos paralelos de Apocalipse 12:
Apocalipse 12:6 e 14 descrevem ao que parece a mesma mulher
e o mesmo tempo de perseguição, com símbolos ligeiramente diferentes. Estas
diferenças estilísticas são significativas, porque proporcionam a oportunidade
de combinar uma gama mais ampla de modelos do Antigo Testamento, o que não só
enriquece o significado teológico da igreja cristã, mas também proclama a continuidade da fidelidade de Deus a seu povo do novo pacto. Da mesma maneira que Jeová tinha "levado" a Israel sobre "asas de águia" do Egito e os trouxe a ele (Êxo. 19:4), assim Deus dá à sua igreja "as duas asas da grande águia" para voar a um lugar seguro (Apoc. 12:14). O fato de que o símbolo de tempo de "1.260 dias" e seus equivalentes nos são dados 7 vezes (2 em Dan. e 5 no Apoc.) indica que é um período de importância crucial.
enriquece o significado teológico da igreja cristã, mas também proclama a continuidade da fidelidade de Deus a seu povo do novo pacto. Da mesma maneira que Jeová tinha "levado" a Israel sobre "asas de águia" do Egito e os trouxe a ele (Êxo. 19:4), assim Deus dá à sua igreja "as duas asas da grande águia" para voar a um lugar seguro (Apoc. 12:14). O fato de que o símbolo de tempo de "1.260 dias" e seus equivalentes nos são dados 7 vezes (2 em Dan. e 5 no Apoc.) indica que é um período de importância crucial.
A pergunta é a seguinte: De onde vem este símbolo
apocalíptico? A frase "um tempo, e tempos e metade de um tempo" em
Apocalipse 12:14 é tomada diretamente de Daniel 7:25 e 12:7, como geralmente se
reconhece. Mas poucos comentadores conectam Apocalipse 12 à sua raiz principal
em Daniel 7. Porém, aqui jaz a chave secreta para descobrir os 3 ½ tempos
proféticos em sua relação com o "chifre pequeno" da quarta besta de
Daniel.
O Erro de Separar o
Símbolo de Tempo de seu Contexto
Alguns expositores apelam à tradição judia que usa o termo
"3 anos e meio" como um modismo para um "longo tempo"
indefinido ou para "muitos dias".1 O termo aparece ali para expressar
"a metade de um septênio" ou, como dizem outros, "a metade de
uma década" sem nenhuma outra precisão. As passagens do Lucas 4:25 e Tiago
5:17 são interessantes, porque neles a frase "três anos e meio"
usa-se para o tempo da seca nos dias de Elias, enquanto em 1 Reis 18:1 só
declara que durou "muitos dias" e que a seca terminaria "no
terceiro ano".
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Esta designação de tempo pode significar um mínimo de 14 ou
18 meses, segundo a tradição rabínica,2 ou possivelmente 3 anos. O fato de que
tanto Jesus (Luc. 4:25) como Tiago (5:17) falam deste período como "três
anos e meio" poderia ser uma adaptação do modismo popular em seu tempo.
Entretanto, um documento rabínico dá a leitura de "três anos e
meio".3 Enquanto se pode reconhecer a tensão dentro do conteúdo do Antigo
Testamento e do Novo Testamento com respeito ao tempo de prova real da seca
profetizada por Elias, tudo isto se distingue da designação do tempo nas
profecias de Daniel e Apocalipse. Aqui o princípio guiador não é o modismo, a
não ser o contexto imediato e o contexto remoto da profecia.
O livro de Daniel proporciona a fonte e a localização dos
"3 ½ tempos" dentro da história da salvação. O falhar em situar os 3
½ tempos proféticos adequadamente dentro do tempo contínuo de Daniel 7, ignora
a convocação ordenada deste período de tempo na história. Como Daniel 7 aplica
a quarta besta simbólica ao quarto império mundial, ou Roma Imperial, o
"chifre pequeno" que cresceu desta besta não pode representar ao rei
selêucida Antíoco IV que perseguiu os judeus e profanou o templo desde dezembro
do ano 167 a.C. até dezembro do 164 a.C. (1 Macabeus 1:41-61; 2 Mac. 10:5).
Induz a engano afirmar que o tempo simbólico de Daniel de 3 ½ tempos
"levantou-se durante a abominação do Antíoco Epifaneo IV" conforme
afirma Ezell,4 já que a profanação do templo durou exatamente 3 anos (2 Mac.
10:5) e não "quase exatamente 3 ½ anos". Semelhantes conjeturas com
respeito à frase de tempo que Daniel emprega falham porque separam o símbolo do
tempo de seu marco original dentro de Daniel 7.
Aplicações Futuristas
dos 1.260 dias
G. Ch. Aalders, um erudito holandês do Antigo Testamento,
estava convencido de que os 3 ½ tempos de Daniel 7 devem conectar-se com o
reinado do anticristo, que ele viu levantar-se da quarta besta como o Império
Romano. Rechaçou os "esforços" de alguns que aplicavam a designação
de anticristo ao papado ou à lei romana (como formas de continuação do Império
Romano) como "cerâmica sem valor".5 Aalders também considerou
intranscendente esperar algum "reaparecimento reavivado" do Império
Romano no tempo do fim. O anticristo, afirmou Aalders, obterá um desdobramento
espantoso de poder político no mundo cultural do futuro. Tratará de assumir a
soberania do mundo da própria mão de Deus ao mudar os "tempos e a
lei" (Dan. 7:25; cf. 2:21).
Isto significa que o anticristo tem o propósito de proscrever todos os
fundamentos cristãos e "tirar todo elemento religioso" do mundo
cultural, "no espírito que motivou a Revolução Francesa" ou os
governos comunistas ateus.6 Dessa maneira Aalders identificou o anticristo com
algum governante político ateu do futuro.
Com respeito ao "tempo, e tempos e meio tempo" de
Daniel 7:25, Aalders interpretou esta frase para dizer que a opressão dos
crentes cristãos ocorrerá em 3 etapas: (1) Primeiro um período de perseguição
em aumento; (2) depois, um período de opressão mais longo e intensificado; e
(3) finalmente, um breve período de perseguição que será abreviado abruptamente
por Deus por causa de seus escolhidos (referindo-se ao Mat. 24:22). Projetou
esses "tempos" do anticristo, que não são exatos, ao futuro distante,
atribuindo um intervalo surpreendente de tempo de mais de 1.500 anos (da queda
de Roma até nossos dias) na era da igreja. Por outro lado, reconheceu que o
futuro reino do anticristo está ampliado adicionalmente por Paulo em 2
Tessalonicenses 2:4 e também em Apocalipse 13:5 e 6.7
O erudito norte-americano do Antigo Testamento, Edward J.
Young, explicou Daniel 7 em uma forma similar a de Aalders. Resumiu dizendo:
"Dessa forma, em um quadro notável, dá-se todo o curso da história da
aparição do Império Romano histórico até o fim do governo humano".8
Interpretou os "10 chifres" da quarta besta de Daniel 7 como os
reinos (10 é "o número da totalidade") que "surgem
historicamente do antigo Império Romano... A Europa moderna pode, em um sentido
muito legítimo, ter surgido de Roma".9 Mas Young projeta o anticristo (o
décimo primeiro chifre) ao futuro indefinido, quando "tratará de desgastar
(consumir, afligir, humilhar) os santos do Altíssimo". "Essa tirania
durará um período definido, um tempo e tempos e a metade de um tempo".10
Young rechaça a crença dispensacionalista de que os 3 ½ anos
ou 1.260 dias devem equiparar-se com a última meia semana das 70 semanas de
Daniel, o período da grande tribulação. Declara que a frase de tempo do Daniel
"é em si mesmo uma expressão cronológica indefinida".11 Conclui
dizendo: "Este período, 'um tempo, e tempos, e a metade de um tempo',
aparentemente representa um período de prova e juízo que será abreviado por
causa dos escolhidos de Deus (cf. Mat. 24:22)".12 Tanto Young como Aalders
projetam o anticristo exclusivamente na fase final do futuro da era da igreja.
É curioso observar que o reformador João Calvino em suas
populares Conferencias sobre Daniel de 1561,13 sugeriu que essa frase de tempo
do Daniel 7:25 indicava 3 fases: Primeiro, um período de um tempo "algo
assim como 10 anos"; depois tempos, "algo semelhante a 50 ou 100
anos", e finalmente "meio tempo", como uma indicação de que Deus
coloca um limite repentino à grande aflição. Refere-se a Jesus, que havia
predito um encurtamento da tribulação em Mateus 24:22. Entretanto, Calvino
aplicou todos os chifres da besta do Daniel 7 a vários imperadores do Império
Romano (como Júlio César, Nero e Trajano).
Em seu Commentary on Daniel, o dispensacionalista Leão J.
Wood declara que "o fato de que esta besta tinha 10 chifres significa que
antes desta indicação deve reconhecer-se a existência de um grande intervalo de
tempo".14 Wood apoia este intervalo de tempo tão tremendo sobre a hipótese
errónea de que os 10 chifres ("10 reis contemporâneos") devem ser
parte de um Império Romano reavivado do futuro, "pode ser uma confederação
de estados europeus", com Roma como sua cidade principal.15 Só então, diz
Wood, o décimo primeiro chifre, como "a falsificação de Satanás do
soberano mundial", começará a perseguir os judeus (que são os santos de
Deus) por 3 ½ anos literais,16 período de tribulação que é idêntico à metade do
período de 7 anos da tribulação final de Daniel 9:26 e 27. Esta opinião apenas
repete a que aparece na New Scofield Reference Bible [A Nova Bíblia de
referência Scofield], páginas 909 e 1362. O ponto de vista dispensacionalista
está determinado por um literalismo estrito de todos os símbolos de tempo
proféticos a pesar do fato de que estes símbolos estão unidos a imagens
simbólicas (Dan. 7; Apoc. 11-13). Também, a teoria do intervalo do futurismo
está em conflito com o contínuo-histórico descrito em Daniel 2 e 7.
Abrangem os 1.260
dias Toda a Era Cristã?
Nas últimas décadas, ganhou apoio uma nova interpretação dos
"1.260 dias". Afirma que por meio desta frase de tempo, João
pretendeu "representar a 'experiência do deserto espiritual' da igreja
durante o período entre a ressurreição e a volta de Cristo".17 Este
erudito batista sustenta que João escolheu dar uma forma nova à designação do
tempo de Daniel como 42 meses e 1.260 dias para simbolizar o tempo que os
filhos de Israel estiveram no deserto durante 42 anos. "Os novos filhos de
Israel experimentarão sua peregrinação como peregrinos por um período
pitorescamente simbolizado como 42 meses".18 Ele se refere a Apocalipse
12:6 e 14.
Mas o Antigo Testamento nunca menciona 42 anos para a
experiência de Israel no deserto; só fala de 40 anos. Lemos que desde o segundo
mês de sua partida do Egito, "comeram os filhos de Israel maná quarenta
anos, até que chegaram a terra habitada; maná comeram até que chegaram aos
limites da terra de Canaã" (Êxo. 16:35; cf. Deut. 2:7; 8:2-4; 29:5; Nee.
9:21; Sal. 95:10; At. 7:36). Em nenhum lugar da Bíblia se estiram estes 40 anos
a 42. Além disso, Daniel e Apocalipse não conectam os 3 ½ tempos proféticos com
a idade messiânica ou com a era da igreja como tal, e sim somente com o reinado
de terror do anticristo (Dan. 7:24, 25; Apoc. 13:5-8), conexão exegética que
foi reconhecida pelo expositor batista George R. Beasley-Murray. Raciocina que
as frases de tempo em Apocalipse 12 não devem ser separadas de seu contexto em
Apocalipse 13, porque..."...faz violência à intenção de João. Os três anos
e meio são o tempo da cólera do anticristo (13:5), e portanto da exposição da
igreja a seus intentos de esmagar sua existência (11:1 e seguintes; 3-13). Isto
não caracteriza o período da igreja- entre a ascensão e a parousia de
Cristo".19
Como se mostrou antes, o apóstolo Paulo em 2 Tessalonicenses
2 colocou o anticristo profetizado no futuro, de fato, depois do
desaparecimento do Império Romano (ver o cap. VII desta obra). Por conseguinte,
os 3 ½ anos não podem aplicar-se às perseguições de alguns imperadores romanos
como Nero, Domiciano, Décio e Diocleciano. Os tempos daniélicos de perseguição
estão entrelaçados exclusivamente com o reinado do anticristo (Dan. 7:24, 25).
E enquanto os perseguidores históricos do povo de Deus, como Nabucodonosor,
Antíoco IV, Nero e outros, podem ser considerados como representantes dos
tempos opressores dos gentios, podem considerar-se só como protótipos ou
precursores do anticristo predito na profecia.
O que se denomina "tempos dos gentios" (em Luc.
21:24) pode ser considerado como se abrangesse todo o período da supremacia
hostil sobre o povo do pacto de Deus que termina só com a libertação por
ocasião da segunda vinda de Cristo. Mas os 3 ½ anos do Daniel ou os 1.260 dias
de João constituem uma parte restringida desses tempos gerais de sujeição
política, o período específico da supremacia do anticristo bíblico sobre os
santos de Deus. E porque o reinado do anticristo não se estende sobre toda a
era cristã, de igual maneira os 1.260 dias não compreendem toda a era cristã.
Os "3 ½
tempos" Dentro de seu Contexto de Daniel 7
Em Daniel 7 os 3 ½ tempos estão conectados exclusivamente ao
"chifre pequeno", quer dizer, o décimo primeiro chifre que surgiu
gradualmente da quarta besta. O Apocalipse continua aplicando os 3 ½ tempos
proféticos e seus símbolos equivalentes de "42 meses" e "1.260
dias" ao anticristo, representado como a besta que sobe do mar de
Apocalipse 13:1-8.
Durante a idade apostólica, o anticristo não se desenvolveu
plenamente como declarou o apóstolo Paulo em 2 Tessalonicenses 2. Até o ancião
apóstolo João declarou que o anticristo profetizado ainda estava no futuro (em
1 João 2:18). Por outro lado, advertiram a igreja a respeito da certeza de sua
vinda durante a era da igreja (At. 20:29, 30; 2 Tes. 2:3-8; Apoc. 13). É
notável que o pai da igreja, Tertuliano (por volta de 200 d.C.) ensinou que o
anticristo predito (de Daniel) não era o Império Romano mas sim se levantaria
depois do desaparecimento de Roma pagã e depois se sentaria na igreja.
Tertuliano interpretou 2 Tessalonicenses 2 afirmando que a existência presente
do Império Romano retardava o surgimento do anticristo. Escreveu com respeito
ao que "o freia" (2 Tes. 2:7, 8, NBE): "Qual é o obstáculo aqui,
a não ser o Estado romano, a queda do qual, ao ser dividido no reino
introduzirá ao anticristo sobre (ruínas próprias)?"20 Também o respeitado
comentário de Daniel por Jerónimo (347-420 D.C.) ratificou a posição corrente
na igreja cristã, de que em Daniel 7 se descreve o anticristo como o décimo
primeiro rei, que se levantará só quando o Império Romano seja destruído e 10
reinos se repartirem entre eles o mundo romano.21
Inclusive Agostinho no ano 413 recomendou o comentário
"erudito" sobre Daniel de Jerónimo para a compreensão de Daniel 7.22
Tertuliano e Jerónimo chegaram a esta interpretação só porque foram a Daniel 7
como a raiz principal de todas as profecias do anticristo. O método fundamental
de decifrar os símbolos apocalípticos do Apocalipse, rastreando sua origem nas
profecias esboçadas no Daniel, deve ser também respeitado para decifrar os
símbolos de tempo de Apocalipse 11 a 13.
Se se consultar Daniel 7 como a raiz principal do
Apocalipse, saberemos que o "chifre" anticristão surgiria para perseguir
os santos de Deus por 3 ½ tempos só depois que os "10 chifres"
dividissem o Império Romano do Ocidente. Esta divisão histórica se levou a cabo
durante 100 anos, até que no ano 476 o último imperador do Império Romano
Ocidental, Rómulo Augústulo, foi destronado. Pelo esboço apocalíptico de Paulo
em 2 Tessalonicenses 2 sabemos que não deve dar-se por sentado nenhum intervalo
interminável de tempo para que ocorresse o livre desenvolvimento do anticristo
e seu reino (ver seu estudo no cap. VII desta obra, a seção "O momento
histórico exato do anticristo segundo Paulo").
A besta simbólica que sobe do mar de Apocalipse 13 incorpora
em si mesmo as 4 bestas do Daniel 7. Além disso, os nomes de blasfémia sobre
suas cabeças (Apoc. 13:1) correspondem-se com as marcas do chifre pequeno de
Daniel 7. Também os tempos de sua autoridade, "quarenta e dois meses"
(Apoc. 13:5), correspondem-se com os 3 ½ tempos do chifre pequeno de Daniel
(Dan. 7:25), símbolo de tempo profético que desta maneira está unido ao
anticristo que se levantaria no cenário mundial quando Roma Imperial chegasse a
seu fim no Ocidente, quer dizer, depois do ano 476 d.C. Entretanto, o
anticristo ainda representa o Império Romano e seu espírito de perseguição.
Ronald S. Wallace, um erudito bíblico em Escócia, reconheceu que, se a quarta
besta de Daniel 7 representa o Império Romano, "o chifre pequeno se refere
então a algum grande perseguidor anticristão da igreja verdadeira que se
levanta na era cristã e dentro da civilização criada pelo Império Romano. Isto
encaixaria primorosamente com a interpretação dada pelo apóstolo Paulo e o
livro do Apocalipse (cf. Apoc. 13)".23
O Surgimento da
Igreja-Estado Durante o Império Romano
Durante os primeiros 300 anos de cristianismo, os cristãos
foram proscritos porque os imperadores romanos em seu ofício como Pontifex
Maximus (supremo pontífice) protegiam a religião do Estado por causa da unidade
civil na sociedade romana. "Calcula-se que três milhões de cristãos
pereceram durante os três primeiros séculos da era cristã".24
Essas perseguições chegaram em duas grandes etapas: sob
Décio e sob Diocleciano. Após terminar a última grande perseguição (303-312),
repentinamente o imperador Constantino inverteu toda a situação com seu famoso
Decreto Imperial do ano 313, que permitia que a religião cristã existisse
legalmente lado a lado com a religião tradicional. No ano 321 impôs sobre todos
os povos a observância civil do domingo como o Dies Solis ("dia do
Sol"). Como patrocinador da igreja (ele mesmo se chamou "o bispo dos
bispos"), Constantino convocou o primeiro concílio ecuménico na Nicéia no
ano 325, e depois introduziu a prática de assinar-se os artigos de um credo
escrito que estipulava castigos se não o aceitava. É a primeira ocorrência de
um castigo da autoridade civil pelo cargo de heresia. Este imperador romano
elevou assim à hierarquia católica e sua ortodoxia exclusiva como a religião do
Estado do império Romano. Todas as ofensas contra a igreja agora se
consideravam como delitos contra o Estado.
O historiador Edward Gibbon declarou que Constantino
"sentou a cristandade sobre o trono do mundo romano".25 Do tempo de
Constantino, a igreja chegou a ser a Igreja-Estado. Declarou-se Roma a corte
suprema de justiça dentro da igreja para honrar a memória do apóstolo Pedro
(cânon 4). O imperador também enriqueceu à igreja ao doar-lhe todos os templos
pagãos e suas grandes propriedades, assim como as propriedades dos hereges. Em
breve a igreja era proprietária de uma décima parte de todos os bens raízes no
Império Romano.
O resultado da aliança da Igreja e o Estado foi uma igreja
cada vez mais secularizada e uma sociedade nominalmente cristã. Segundo o
historiador eclesiástico Ph. Schaff, "isto produziu o conflito entre a luz
e as trevas, a verdade e a falsidade, Cristo e o anticristo, no próprio seio da
cristandade".26 O tempo de Constantino foi testemunha do começo da luta
interminável na Europa entre a hierarquia da Igreja e o Estado, cada um
tratando de subjugar e dominar o outro. Esta rivalidade "seguiu durante
todo o conflito medieval entre o imperador e o Papa, entre o episcopado
imperial e hierárquico, e se repete em forma modificada em cada igreja
protestante estabelecida".27
Os imperadores "cristãos" romanos convocaram os
concílios gerais da igreja, impuseram os novos credos por meio da lei sobre
todos os cidadãos no império, protegeram a "ortodoxia" e castigaram a
"heresia" com o braço do poder secular, o que foi considerado por
alguns (como Eusébio de Cesareia) como a restauração da teocracia davídica
sobre terreno cristão. Mas outros, como o professor francês de direito, Jacques
Ellul, consideram a legislação e a imposição política da unidade dogmática da
igreja pelos imperadores cristãos como o começo da subversão do cristianismo e
a forma principal de anticristianismo.28 A imposição política das leis humanas
para estabelecer a igreja ou o reino espiritual de Cristo revela um espírito
que está em conflito fundamental com o espírito de Cristo (ver João 18:36).
O lado sombrio desta aliança histórica da Igreja e o Estado
dos dias de Constantino foi constituído pela perseguição dos
"hereges", porque suas separações da fé da Igreja-Estado (o
catolicismo trinitário) não se consideravam simplesmente como enganos
religiosos, mas sim como delitos contra o Estado (cristão). Esses hereges foram
castigados com o desterro, confisco de seus bens e, dos dias do imperador
Teodósio (380), inclusive com a morte.29 Declara Schaff: "Por conseguinte,
desde Teodósio se pode datar a teoria da perseguição de hereges pela Igreja-Estado,
e sua inclusão na legislação".30 Em 385 o imperador "cristão"
Máximo ordenou a execução do bispo espanhol Prisciliano, e de 5 crentes de sua
seita parecida com a dos maniqueus, na cidade do Treveris.31
Até Agostinho chegou a convencer-se depois do ano 400 que os
hereges que persistissem deviam ser castigados por seus enganos religiosos.
Inclusive apelou às palavras de Jesus em uma parábola que dizem: "Força-os
a entrar" (Luc. 14:23). Em sua obra clássica, A cidade de Deus, Agostinho
expõe o ideal católico de uma igreja universal, ou sociedade dos fiéis, que
domine a sociedade universal dos infiéis. Quando a cidade de Roma foi capturada
e saqueada pelo rei godo Alarico em 410, sobreviveu a igreja como o corpo dos
fiéis. Agostinho afirmou que o milénio de Apocalipse 20 se estava cumprindo
agora no reinado da igreja, cujos bispos devem julgar a outros, em nome de
Cristo (20:9), o que proporcionou a base teórica para o Igreja-Estado do papado
medieval.32 A hierarquia da igreja chegou a ser cada vez mais romana depois que
Constantino transladou a capital de Roma a Constantinopla em 330. "O bispo
de Roma, no assento dos césares, era agora o homem de maior influencia no
Ocidente, e logo se viu constrangido a chegar a ser a cabeça tanto política
como espiritual".33
Leão I ("o Grande"; 440-461) foi o primeiro papa
que publicamente sustentou um papado universal. Estabeleceu a sua primazia no
direito divino, o direito de estar na sede apostólica em Roma. Para ele, a
cristandade e o domínio universal da igreja romana eram coisas idênticas.34
Schaff o considera como "o primeiro papa no sentido próprio da
palavra", isto é, com respeito a suas exigências de supremacia.35
Durante o concílio de Calcedónia, em 451, leu-se a carta
dogmática do papa Leão I, e os bispos (só estiveram presentes bispos da Europa
Oriental) exclamaram: "Esta é a fé dos pais... e dos apóstolos! Desta
maneira Pedro falou por meio de Leão!"36
Desta exclamação histórica, Leão I e outros papas
posteriores derivaram um direito a sua autoridade dogmática sobre todos os
cristãos. Mas os mesmos pais do concílio atribuíram ao patriarca de
Constantinopla uma autoridade igual para exercer na parte oriental do império,
como a que o papa possuía no Ocidente. "O papa Leão I confirmou a
confissão doutrinal do concílio, mas protestou contra o cânon 28 que colocava o
patriarca de Constantinopla em um pé de igualdade com ele".37 O papa Leão
enfatizou cada vez mais que os papas eram os sucessores do apóstolo Pedro e
dessa maneira possuíam a sedes apostólica (sede apostólica), para estabelecer
sua supremacia eclesiástica sobre o patriarca de Constantinopla. Daí em diante,
cada papa alegou ser o vigário de Pedro e, portanto, ao mesmo tempo também o
vigário de Cristo para toda a igreja.
O papa Leão I foi o primeiro papa que pediu às autoridades
seculares que suprimissem pela força todas as igrejas cristãs heréticas na
cidade de Roma. Embora toda a igreja sustentou a autoridade dos papas, este
pedido só pôde levar-se a cabo em algumas partes da Itália. A igreja oriental
rechaçou a reclamação de Leão I à primazia na igreja, e ainda hoje rechaça a
primazia papal.
Da queda do Império Ocidental em 476, os bispos de Roma se
apropriaram da função do imperador do ocidente como Pontifex Maximus, sacerdote
e governante temporário, com os bispos como senadores e dirigentes do exército.
O renomado historiador eclesiástico alemão, Adolfo von Harnack viu a igreja
romana como "a continuação real" do Império Ocidental. Henri Pirenne,
o eminente historiador belga, escreveu: "Em resumo, não foi porque era
cristã, mas sim porque era romana que a igreja adquiriu e manteve durante
séculos seu domínio sobre a sociedade".38
O papa Gelásio I (492-496) desenvolveu o princípio papal um
passo a mais ao declarar em 494 que o imperador estava sujeito ao papa e tinha
a obrigação de obedecer à disciplina da Igreja Católica. O bispo de Roma era a
"autoridade suprema". Este papa começou a defender a política de
"não interferência" entre a Igreja e o Estado. Seu propósito foi
fazer do papa um governante religioso-político independente, com direito a
mandar sobre os soberanos civis.
O Reconhecimento da
Primazia Papal por Parte de Justiniano
A política do Justiniano I, imperador do Império Romano
Oriental (527-565 ) procurou reviver um Império Romano cristão governado pelo
imperador de Bizâncio (Constantinopla). Como chefe verdadeiro da igreja cristã,
Justiniano promulgou decretos com manifestos obrigatórios, inclusive em
teologia. Seu principal problema doutrinal foi o conflito entre o ponto de
vista ortodoxo do concílio da Calcedónia (451), a opinião de que em Cristo
coexistem a natureza humana e a divina, e o ensino monofisista que enfatizava a
natureza divina de Cristo. Esta última opinião era a que preferia sua esposa, a
imperatriz Teodora, que era muito popular no Oriente. Por outro lado, o
arianismo que rechaçava a deidade eterna de Cristo era a crença cristã comum
entre os povos germânicos (excepto entre os francos) que povoaram o Império
Romano ocidental, incluindo o norte da África.
Justiniano decidiu restaurar a unidade política e religiosa
em todo o território do antigo Império Romano. Procurou a cooperação do papa
para estabelecer a unidade religiosa no império bizantino. Primeiro escreveu
sua carta famosa o papa João II, em 533, em que solicitava o apoio do papa para
sua decisão imperial contra a heresia dos nestorianos. Em sua carta imperial o
papa declarava o seguinte:
"Portanto, esforçamo-nos para unir a todos os
sacerdotes do Oriente e submetê-los à sede de Sua Santidade... Porque não
toleramos que nada que se refira ao estado da Igreja... seja discutido sem que
antes se traga ao conhecimento de Sua Santidade, porque vós sois a cabeça de
todas as santas igrejas, e porque nos esforçaremos em tudo o que possamos...
para acrescentar a honra e a autoridade de vossa sede".39
Depois o imperador solicitou uma resposta do papa que
condenasse aos nestorianos como ele o tinha decretado. Froom faz a seguinte
avaliação deste pedido. Diz que "isto revela a compreensão plena que tinha
o bispo de Roma do reconhecimento imperial da primazia da sede de Roma".40
A admissão da primazia dos papas se referia à sua autoridade e a que era
"o corretor de hereges" (na carta do Justiniano ao arcebispo
Epifânio, no ano 533). Entretanto, entranhava muito mais. Em sua carta imperial
o papa João II, o imperador tinha reconhecido formalmente a prioridade do bispo
de Roma sobre o de Constantinopla, o que foi promulgado só 12 anos mais tarde,
no ano 545, no Código Civil do Justiniano.41 Froom faz este resumo:
"Desta maneira, não só codificou Justiniano as leis
religiosas de seus predecessores, mas também designou especificamente o bispo
de Roma como cabeça da igreja e corretor de hereges, e fez que a lei canónica
da igreja até o ano 451 formasse parte da lei civil do império, consumando
assim a união da Igreja e o Estado".42
O reconhecimento imperial da supremacia eclesiástica do
papa, codificada no ano 545, foi posta em tela de juízo pelo patriarca de
Constantinopla, que assumiu o título de "Bispo universal" em 587. O
Código Civil de Justiniano, com as suas novas leis ou novellae (534-545), pode
tomar-se como o começo do poder legalizado do papado sobre toda a igreja (como
está em Novella 131), nunca ficou em vigência no Império Romano do Oriente. Houve
uma vasta brecha entre a lei e a prática! A autoridade eclesiástica dos papas
se limitou ao antigo Império Ocidental. Além disso, o Código Civil ainda
reservava o domínio de toda a igreja não para o papa, e sim para o imperador!,
quem era responsável pelo extermínio dos hereges (Novella 132) assim como da
manutenção da fé e disciplina de toda a igreja (Novella 6).
Em 606, o imperador Focas resolveu a disputa por meio de seu
decreto imperial no qual afirmava que o bispo de Roma era a cabeça apostólica
da cristandade. Mas mesmo assim, a supremacia eclesiástica do papado não se fez
efetiva na igreja universal. O decreto de Focas foi um intento infrutífero para
pôr em vigor a lei de Justiniano (Novella 131).
A ineficácia prática do reconhecimento legal de Justiniano
da primazia papal na igreja cristã não se deveu fundamentalmente a alguns reis
cristãos arianos, e sim ao próprio imperador Justiniano e a seu governo
autocrático. O historiador eclesiástico italiano Paolo Brezzi descreveu assim a
obstrução imperial às exigências da primazia papal:
"A subordinação do Papa a Bizâncio permaneceu como uma
realidade, até depois de aceder ao cargo eclesiástico mais elevado, o que
implicava obrigações e laços que tinham o efeito de obstruir por completo a
função papal... É certo que quanto ao que se refere aos bizantinos, a cabeça
verdadeira e única da sociedade ainda era o imperador, de quem se buscavam
todas as soluções finais, incluídas as que tinham que ver com a
religião".43
Só quando o rei dos francos, Pepino, doou Roma e partes da
Itália à "sede sagrada do bem-aventurado Pedro" em 756, o papado
ficou liberado do jugo do governo e controle bizantinos. Por conseguinte, a
metade do século VIII assinala o começo da era do poder temporário do papado.
Daí em adiante o papado começou a lutar por conseguir a realização de outro
princípio papal: o domínio do governo papal sobre todos os poderes do Estado.
Este objetivo se realizaria só com o papa Gregório VII (1073-1085) e seus
sucessores. Depois começaram os séculos da Inquisição, de torturas violentas e
perseguição para todos os dissidentes.
Do lento desenvolvimento do papado é evidente que "o
crescimento do poder papal demonstra que este foi um processo gradual que
abrangeu muitos séculos... e que continuou desde aproximadamente o ano 100 até
756"." O Comentário bíblico adventista extrai esta conclusão
significativa: "Fica pois em claro que não se podem dar datas que
assinalem uma transição precisa entre a insignificância e a supremacia ou entre
a supremacia e a relativa debilidade".45 Isto denota que só se podem
apresentar datas ou momentos cruciais aproximados para o surgimento e a
decadência da primazia papal dentro da igreja e da supremacia papal sobre o
Estado.
Os intérpretes historicistas escolheram diferentes anos como
sinalizadores do surgimento do poder papal, tais como 396, 455, 533, 538, 606 e
756.46 O Comentário bíblico adventista conclui dizendo: "Entretanto, pelo
ano 538 o papado estava completamente formado, e operava em todos seus aspectos
essenciais, e em 1798 – 1.260 anos mais tarde – tinha perdido virtualmente todo
o poder que tinha acumulado durante séculos".47
As Caracterizações
Bíblicas dos 3 ½ Tempos
Para compreender a intenção divina deste período de tempo
simbólico em Daniel e no Apocalipse, devemos considerar todas as referências
bíblicas. É óbvio, o símbolo de tempo profético deve interpretar-se de acordo
com o contexto bíblico. A frase relativa ao tempo está conectado com a igreja
perseguida e com o perseguidor dos santos. Ao determinar a qualidade teológica
dos 1.260 dias ou 3 ½ tempos, precisamos reconhecer que Daniel caracteriza este
período como o tempo de opressão ou de "quebrantamento" dos santos
(Dan. 7:25; 12:7).
O Apocalipse de João explica adicionalmente a frase de tempo
do Daniel. Será um tempo de pisar "a cidade santa quarenta e dois
meses" (Apoc. 11:2), e adiciona que as testemunhas de Cristo perseverarão
em testificar por 1.260 dias (Apoc. 11:3). Apocalipse 12 menciona que os santos
receberão a proteção divina durante os 1.260 dias ou 3 ½ tempos cheios de
tensões (Apoc. 12:6, 14). Apocalipse 13 revela que o "dragão"
perseguidor transferirá "seu poder e seu trono e grande autoridade" à
besta-anticristo que surge do mar (vs. 1, 2), o que dará como resultado a vanglória
da besta que pronunciará "blasfémias" e actuará com uma atitude
arrogante durante 42 meses (v. 5). E como foi dito do chifre pequeno em Daniel
7, assim Apocalipse 13 reitera da besta que sobe do mar: "E foi-lhe
permitido fazer guerra aos santos e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre toda
tribo, e língua, e nação" (Apoc. 13:7).
Se as perseguições à mulher por parte do dragão representam
as do Império Romano (Apoc. 12), então a besta-anticristo seguinte dominará com
o mesmo espírito despótico como o que teve Roma pagã sobre os santos de Deus.
Além disso, Apocalipse 13 anuncia que o anticristo receberá
uma "ferida mortal" com uma espada, da qual se recuperará em forma
inesperada e todo mundo se maravilhará (vs. 3, 10-14). As consequências desta
recuperação por uma breve "hora" no tempo do fim se revelam em
Apocalipse 17, o que requererá nossa atenção especial um pouco mais adiante.
Nosso interesse atual é determinar o significado bíblico da "ferida
mortal" do anticristo em Apocalipse 13. Este ato que incapacita a besta
supõe claramente a conclusão dos 1.260 dias de opressão! Além disso, Apocalipse
13 apresenta tanto o começo como o fim do tempo daniélico da guerra do
anticristo contra os santos. O tempo de perseguição começa depois do transpasse
da sede de poder e autoridade do Império Romano à cabeça da igreja católica
romana, e termina com o castigo da ferida mortal com uma "espada" à
Igreja-Estado medieval. (Para a aplicação histórica da "ferida
mortal" à besta no Apoc. 13, ver o cap. XXII desta obra.)
A Natureza Simbólica
dos 1.260 dias
Enquanto que os intérpretes futuristas e preteristas tomam o
elemento tempo em Daniel e no Apocalipse como tempo literal, os intérpretes
historicistas da Reforma do século XVI estiveram de acordo em aceitar as
referências ao tempo como símbolos de que um dia profético representa um ano.
Isto se conhece como o "principio dia-ano". Para nosso propósito
atual, limitaremos aos 1.260 dias ou 3 ½ tempos.
Observemos, em primeiro lugar, que estas referências de
tempo funcionam como elementos constitutivos nas profecias de longo alcance dos
dois livros apocalípticos. Indicam o progresso do tempo histórico durante a era
da igreja, e dessa maneira valem, até certo ponto, para identificar a
proximidade do segundo advento de Cristo. Como escreveu Thomas R. Birks, um
professor que viveu em Cambridge, Inglaterra, e defensor do princípio dia-ano:
"Sem as profecias de tempo nos perguntaríamos se ao
mundo não ficam ainda por suportar um ou dois milénios cansativos antes que
Cristo apareça para desterrar o pecado e a dor".48
As profecias de longo alcance de Daniel chegam até "o
tempo do fim" (Dan. 8:14, 17, 19), e este período de tempo predeterminado
designa um período particular no qual devem ter lugar uma quantidade de
acontecimentos finais (ver Dan. 11:40-45; 12:1-4). Os períodos de tempo
proféticos dos 3 ½ tempos em Daniel 7 e o dos 2.300 dias em Daniel 8 não
determinam o fim do tempo e sim o começo do "tempo do fim". Se os 3 ½
tempos não se separam de seu contexto, mas sim se vêem como formando parte de
uma descrição simbólica, também possuem uma natureza simbólica. Os 3 ½ tempos
formam parte de um personagem simbólico chamado o "chifre pequeno".
W. H. Shea o explica assim:
"Os 3 ½ tempos do Daniel 7:25 pertencem originalmente a
um corno simbólico, não a uma pessoa (ou pessoas) descrita primariamente como
tal. Também se pode estabelecer o mesmo ponto a respeito dos contextos
simbólicos dos períodos de tempo mencionados no Apocalipse. Estes contextos
simbólicos extremamente complexos sugerem poderosamente que também deveríamos
tratar suas unidades de tempo como simbólicas".49
A natureza simbólica dos 3 ½ tempos já está sugerida pela
forma pouco comum de contar o tempo: "Um tempo, e tempos e metade de um
tempo" (Dan. 7:25; 12:7; Apoc. 12:14). Além disso, se as bestas simbólicas
de Daniel 7 representam impérios que duram muito tempo, cada um abrangendo
séculos, "o mais natural é que os tempos mencionados estão também
apresentados em escala com uma unidade pequena de tempo representando um tempo
mais extenso".50
Ampliação Adicional
dos 3 ½ Tempos em Daniel e Apocalipse
Os 3 ½ tempos do chifre pequeno de Daniel 7 são colocados
novamente na história da salvação por parte do anjo interpretador de Daniel 11
e 12.
Não se pode separar Daniel 12 de Daniel 7-11 porque o anjo
do capítulo 12 esclarece além disso a perseguição dos santos descrita em Daniel
11:32-35 e 7:25. Conecta os 3 ½ tempos de perseguição em Daniel 12:7 com a
perseguição dos santos em Daniel 11:32-35, o que proporciona a nova informação
de que os 3 ½ tempos ocorrerão antes do "tempo do fim" (ver Dan.
11:32-35), e portanto não pertencem nem ao predeterminado tempo do fim nem
depois do tempo do fim.51
Os 3 ½ tempos do Daniel da perseguição dos santos (Dan.
7:25; 12:7) João os aplica no Apocalipse à era cristã, depois da crucificação e
exaltação de Cristo (ver Apoc. 12:13, 14). O Apocalipse então iguala os "3
½ tempos" do Daniel com os "1.260 dias" (Apoc. 12:6), durante os
quais a mulher simbólica deve esconder-se no deserto. Com respeito a isto,
comentou Edward Heppenstall:
"Como o Apocalipse tem o propósito de ser uma
continuação das visões de Daniel, o cumprimento do chifre e o poder apóstata em
Daniel, e o dragão e a besta no Apocalipse, devem buscar-se na era
cristã".52
Se reconhecermos as três fases principais da história da
igreja em Apocalipse 12 (vs. 1-5; vs. 6, 14; V. 17) reconheceremos que
Apocalipse 12:6 e 14 descrevem o segmento médio da história da igreja, que
indica a Idade Média. Estamos completamente de acordo com a avaliação de Shea a
respeito de Apocalipse 12:
"É clara a evidência de que esta narração apresenta um
movimento histórico contínuo durante a era cristã; portanto, é mais compatível
em sua perspectiva com o ponto de vista historicista ou histórico
contínuo".53
É geralmente aceito pelos expositores que os 1.260 dias
proféticos representam a essência da perseguição dos santos, o que levou a
muitos a aplicar os 1.260 dias como uma expressão simbólica para toda a era
cristã, durante a qual são perseguidos os santos verdadeiros. Até alguns
comentadores adventistas começam a ver mais de um nível de significado dos
1.260 dias: um concernente à qualidade essencial dos dias e outro quanto à
quantidade numérica dos dias. Roy Naden declara com respeito aos 1.260 dias
proféticos ou 3 ½ tempos:
"De acordo com nossa hermenêutica, supomos que estas
cifras têm em primeiro lugar um significado qualitativo para interpretar a
visão, e só em segundo lugar uma aplicação quantitativa possível".54
A interpretação "qualitativa" dos 1.260 dias ou 42
meses se determina ao ter em conta a experiência da igreja no deserto como o
antítipo da peregrinação de Israel pelo deserto durante 40 anos e os 42 lugares
diferentes onde acamparam (segundo Núm. 33). A igreja terá que sofrer penúrias
no "deserto" do mundo durante a era da igreja, mas também receberá o
"sustento e o amparo de Deus durante toda sua peregrinação terrestre,
assim como os 42 acampamentos do Israel, até que entre na terra
prometida".55
Embora esta interpretação "qualitativa" da
experiência da igreja no deserto seja enriquecedora e tenha algum poder de
convicção, deixa sem explicar por que a cifra de 1.260 dias tem também um
cumprimento quantitativo na história da igreja. Para compreender esta
aplicação, voltamos para estudo do princípio dia-ano.
A Equação Dia-Ano
A lei mosaica introduziu o princípio de que um dia pode
representar um ano. O primeiro exemplo está em Levítico 25, que prescreve que o
sétimo dia, sábado, ia ser celebrado também como um "ano sabático"
para a terra, quer dizer, cada sétimo ano: "Mas no sétimo ano a terra terá
seu repouso sabático, um sábado para o Iahweh: não semearás o teu campo nem
podarás a tua vinha... Será para a terra um ano de repouso" (Lev. 25:4, 5,
BJ). Aqui a lei levítica estende a qualidade do sábado semanal a um ano inteiro.
Shea o resume assim:
"Desta maneira, existe uma relação direta entre
"dia" e "ano", dado que para ambos se aplicou a mesma
terminologia, e o ano sabático posterior foi modelado conforme o dia sabático
anterior".56
A lei de Israel do ano sabático introduz assim o princípio
dia-ano. O mesmo princípio está reforçado na lei do ano do jubileu:
"Contarás sete semanas de anos, sete vezes sete anos, de maneira que os
dias das sete semanas de anos te serão quarenta e nove anos" (Lev. 25:8).
Esta lei pressupõe que depois de sete semanas de anos sabáticos chegava o ano
do jubileu.
De novo o sábado semanal permanece como o modelo para um ano
inteiro de descanso e liberdade no ciclo do jubileu. Os anos sabáticos em seus
ciclos de sete anos eram proféticos do ano do jubileu. Desta forma o princípio
de dia-ano chegou a ser uma predição prática da redenção nos rituais de
adoração do Israel.
Na perspectiva profética de Israel se aplicou de formas
diferentes o princípio dia-ano. Lemos em Números 14:34: "Segundo o número
dos dias em que espiastes a terra, quarenta dias, cada dia representando um
ano, levareis sobre vós as vossas iniquidades quarenta anos e tereis
experiência do meu desagrado". Neste caso, dias que já tinham passado (40)
usam-se para predizer outros tantos anos de castigo para um Israel rebelde.
Em Ezequiel 4:6, 7 os anos de rebelião que já tinham
acontecido estão representados por 40 dias. Em ambos os casos se aplica o mesmo
princípio dia-ano, mas em maneiras diferentes. Entretanto, o testemunho
essencial do princípio dia-ano está no livro apocalíptico de Daniel. As
"setenta semanas" proféticas em Daniel 9:24-27, pelo consenso unânime
dos intérpretes judeus e cristãos, designam setenta semanas de anos (ver Dan.
9:24), ou 490 anos reais, o que é igual a 70 anos sabáticos (70 x 7 anos) ou a
10 ciclos de jubileu (10 x 49 anos). Se com a frase "setenta semanas"
Daniel pensou em semanas de anos sabáticos, então não se necessita a conversão
dia por ano, porque 70 semanas de anos perfazem 490 anos. Só se as "setenta
semanas" do Daniel 9:24 se tomam como setenta semanas literais (70 x 7
dias) necessitar-se-ia a aplicação da conversão de dia em ano para dar o
resultado de 490 anos reais.
Entretanto, o contexto em Daniel 9 assinala a que
compreendamos anos sabáticos, porque o profeta estava refletindo sobre o
significado dos 70 anos do cativeiro do povo em Babilónia, como tinha sido
profetizado por Jeremias (ver Dan. 9:2). Esses 70 anos se entendiam como anos
de castigo porque Israel tinha passado por cima os anos sabáticos para a terra
(ver 2 Crôn. 36:21; Dan. 9:10-14). O anjo interpretador prediz uma
multiplicação desses anos sabáticos (70 vezes) como o tempo que ia passar antes
que o segundo templo fosse destruído. D. Ford fez o seguinte comentário sobre o
Daniel 9:24:
" 'Setenta semanas de anos estão determinados'. Como
isto é parte da explicação literal de Daniel 8:1-14, não precisamos invocar o
princípio dia-ano, embora seja verdade que os 'anos' em hebraico estão melhor
subentendidos que declarados explicitamente".57
Frequentemente é passado por alto o fato de que enquanto que
Daniel 8 apresenta uma profecia simbólica, Daniel 9:24-27 não representa uma
profecia simbólica e sim uma interpretação por parte do anjo dos símbolos de
Daniel 8, sem voltar a usar os símbolos. Portanto, não devemos esperar que as
"setenta semanas" sejam um símbolo mas sim uma referência clara a 70
semanas de anos (TA; BLH: "setenta anos vezes sete"). Jean Zurcher
relacionou as "setenta semanas" de Daniel 9 com seu contexto, e
concluiu:
"Tudo o que está no texto e no contexto se refere à
mensagem dos anos sabáticos e de jubileu. A tradição judia, os talmudistas, o
autor do Seder 'Olam, e os intérpretes judeus em geral, julgaram que as semanas
na profecia de Daniel podem ser só semanas de anos. Há evidência que mostra que
os pais da igreja usaram a mesma base para interpretar as 70 semanas".58
Precisamos recordar que o conceito de um "ano
sabático" está estabelecido em Levítico 25:1-7 e que já é o resultado de
uma conversão de dia-ano. A esse respeito, W. H. Shea declara que
"Levítico 25:1-7 é a primeira passagem bíblica onde se aplica a equação
dia-ano".59 Mas é mais provável que as "setenta semanas" do
Daniel 9:24 tenham sua origem no conceito dos ciclos do jubileu de 49 anos cada
um, porque um período de jubileu também se media em termos de "semanas de
anos" (Lev 25:8).
Daniel reconheceu o princípio dia-ano ao fazer dos 490 anos
reais de Daniel 9 uma parte dos 2.300 dias de Daniel 8, ao declarar que as 70
semanas estavam decretadas – ou, literalmente, "cortadas" – para a
nação de Israel e para a cidade santa! Esta correlação de Daniel 8 e 9 contém a
necessidade lógica da equação de um dia por um ano para os 2.300 dias. Além
disso, Daniel descreve a interpretação que o anjo lhe dá de Daniel 8 em um detalhe
muito maior em Daniel 11! Os "dias" de Daniel 8 são interpretados em
termos de "anos" em Daniel 11:6, 8 e 13 como parte do tempo paralelo
com o do capítulo 8.
Resumo
O livro de Daniel ensina o princípio dia-ano duas vezes: (1)
Na correlação dos capítulos 8 e 9; e (2) na correlação paralela dos capítulos 8
e 11. Esta conclusão nos leva a aplicar os 3 ½ tempos ou 1.260 dias de Daniel e
Apocalipse a 1.260 anos reais, sem ser dogmáticos a respeito de fixar datas
precisas na história da igreja. Froom nos informa de um fato interessante:
"Na verdade, os protestantes historicistas diferiam
grandemente quanto a quando começar e terminar o período dos 1.260 dias do
anticristo, mas todos estavam de acordo na convicção de que lhe tinha atribuído
um período de 1.260 anos, e que esse período se aproximava de sua
terminação".60
As profecias apocalípticas se cumprirão e gradualmente se
entenderão à medida que avança a história. Um cumprimento progressivo permite
uma interpretação progressiva.
Hans K. LaRondelle
Referências
1 Ver
Strack-Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch, t. 3,
p. 761.
2 Ver Ibid., t. 3, p. 760.
3 Ibid., t. 3, p. 761.
4 Ezell,
Revelations on REVELATION, p. 71.
5 Aalders,
Commentary on the Old Testament, p. 165.
6 Ibid.,
pp. 164, 167.
7 Ibid., p.
163.
8 Young,
The Prophecy of Daniel, p. 150.
9 Ibid., p.
149.
10 Ibid.,
p. 161.
11 Ibid.
12 Ibid., p. 162.
13 João Calvino, Corpus Reformatorum, ts. 40 e 41.
14 Wood,
Commentary on Daniel, p. 94.
15 Ibid.,
p. 95.
16 Ibid.,
p. 98.
17 Ezell,
Revelations on REVELATION, p. 70.
18 Ibid.
19
Beasley-Murray, Revelation, p. 201.
20
Tertuliano, On the Resurrection of the Flesh [Tratado sobre a ressurreição da
carne], cap. 24, ANF 3, p. 563; citado em Froom, The Prophetic Faith of Our
Fathers, t. 1, p. 258.
21 Comentário sobre Daniel realizado por Jerônimo, p. 77.
22 La ciudad de Dios, libro XX, cap. 23; citado en José
Morán, ed., Obras de S. Agustín: La ciudad de Dios, t. XVI-XVII. Madrid: BAC, 1958, pp. 1508-1511.
23 Wallace,
The Lord is King. The Message of Daniel, p. 129.
24 Smith,
Las profecías de Daniel y el Apocalipsis. T. 1: Daniel, p. 106.
26 Gibbon,
The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, 2, p. 330.
26 Schaff,
History of the Christian Church, t. 3, p. 126.
27 Schaff,
t. 3, p. 134.
28 Ellul,
The Subversion of Christianity, cap. 2.
29 Theodosian Code, 16.1.2. ver SDA Bible Student's Source
Book [O livro fonte dos estudantes adventistas da Bíblia], entrada 1202.
30 Schaff,
History of the Christian Church, t. 3, P. 142.
31 Ibid.
32 San
Agustín, La ciudad de Dios, libro XX, cap. IX.2, en Morán, Ibíd., pp. 1465-
1466.
33 Flick,
The Rise of the Medieval Church, p. 169.
34 Schaff,
History of the Christian Church, t. 3, P. 317.
35 Ibid.,
p. 319.
36 Ibid.,
p. 744.
37 Ibid.,
p. 747.
38 Pirenne,
A History of Europe. From the Invasions to the XVI Century, p. 59.
39 Ver o
documento em Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers, t. 1, p. 931 (o itálico
é meu)
40 Ibid.,
t, 1, p. 932.
41 Novella
131. ver Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers, t. 1, pp. 513, 933.
42 Froom,
The Prophetic Faith of Our Fathers, t. 1, p. 935.
43 Brezzi,
The Papacy, Its Origins and Historical Evolution, pp. 65, 66.
44 4 CBA
864.
45 Ibid.
46 Ver Froom,
The Prophetic Faith of Our Fathers, t. 2, pp. 531, 787; t. 3, pp. 252, 744; t.
4, pp. 390, 394, 395, 846, 847, 849, 850.
47 4 CBA
864.
48 Birks,
First Elements of Sacred Prophecy, p. 416, citado em D. Ford, Daniel 8:14, p.
A-125.
49 Shea,
Estudios selectos..., pp. 62, 63.
50 D. Ford,
Daniel 8:14. The Day of Atonement and the Investigative Judgment, p. A-121.
51 Para uma análise mais detalhada, incluindo os vínculos
lingüísticos entre Daniel 11 e 12, ver Shea, "Time Prophecies...".
52
Heppenstall, "The Year-Day Principle in Prophecy", Ministry, outubro
de 1981, p. 18.
53 Shea,
"Time Prophecies of Daniel 12 and Revelation 12-13", p. 350.
54 Naden,
The Lamb Among the Beasts. Finding Jesus in the Book of Revelation, p. 170.
55
Fredericks, A Sequential Study of Revelation 1-14 Emphasizing the Judgment
Motif, p. 264.
56 Shea, Estudios selectos sobre interpretación profética,
p. 72.
57 D. Ford,
Daniel, p. 225.
58 Zurcher,
"The Year-Day Principle", Adventist Review, 5 de fevereiro de 1981,
p. 9.
59 Shea, Estudios selectos..., p. 87.
60 Froom,
The Prophetic Faith of Our Fathers, t. 2, p. 794.
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