“Então Nabucodonozor, na sua ira e fúria, mandou chamar Sadraque, Mesaque e Abednego. Logo estes homens foram trazidos perante o rei. Falou Nabucodonozor, e lhes disse: E verdade, ó Sadraque, Mesaque e Abednego, que vós não servis a meus deuses nem adorais a estátua de ouro que levantei?” Daniel 3:13,14.
Apesar de só três judeus serem acusados pelos caldeus, o rei hesita. Ele não dá ordem imediata de executar os culpados. Ele sabia que estes três hebreus trabalhavam há já alguns anos no palácio sob as suas ordens, e quer dar-lhes uma oportunidade de explicarem o que aconteceu e de se retratarem. Era este o propósito do rei ao convocá-los e colocar-lhe a seguinte pergunta: “É verdades...que vós...” (v.14). Ou seja: será possível que o tenhais feito deliberadamente? Talvez eles não tenham compreendido a ordem do rei e o que isso representava. O rei repete palavra a palavra a ordem de adoração: “Agora, pois, se estais prontos, quando ouvirdes o som da trombeta, da flauta, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles, e de toda a sorte de música, para vos prostrardes e adorardes a estátua que fiz, bom é; mas, se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora, dentro duma fornalha de fogo ardente; e quem é esse deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (Dan. 3:15) nesta confrontação sobressaem duas mentalidades religiosas irreconciliáveis:
a) A religião de Nabucodonosor, tal como a de todos os caldeus, é uma religião do imediato: “estais prontos, quando ouvirdes...”, “para vos prostrardes...”, “se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora,” (v:15). Para o rei e para os caldeus só o presente contava, não tem uma perspectiva do futuro “e quem é esse deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (v.15)
b) Para os judeus, a religião está ligada ao futuro. “Eis que o nosso Deus a quem nós servimos pode nos livrar da fornalha de fogo ardente; e ele nos livrará da tua mão, ó rei.” (Dan. 3:17). Os judeus vão mais longe do que o “se não” (v.15) ameaçador do rei, ao responder: “Mas se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste.” (Dan. 3:18). Este “se não” introduz o risco da fé, e projecta-se mais longe que um futuro próximo ou imediato. É a mesma expressão aramaica hen la (se) (...)não, ou senão que é utilizado. Os contrastes entre os dois conceitos de religião são aqui flagrantes. Tal atitude ultrapassa a compreensão do rei que realiza de repente que os hebreus estão para além do seu poder. Ao argumento do imediato eles respondem com a esperança do futuro. Ao argumento do fracasso, eles respondem pelo serviço desinteressado.
Aqui reside toda a diferença entre a idolatria e a religião de Israel. A idolatria é uma religião que se constrói a partir de baixo, religião ao nível do homem e à sua imagem, religião de ídolo-objecto sem vida que pode ser manipulada como um instrumento de bênção ou maldição. A religião de Israel, ao contrário, é uma revelação que se dá a partir do Alto, religião de um Deus vivo com O qual se constrói uma relação pessoal feita de amor mas também de interrogações. Eis a razão, mesmo si este Deus não salva da situação difícil, mesmo se Ele não abençoa, o Hebreu continua a permanecer-Lhe fiel e a dar-Lhe a sua adoração, apesar de tudo.
Sem comentários:
Enviar um comentário