“Ora, nesse tempo se chegaram alguns homens caldeus, e acusaram os judeus. E disseram ao rei Nabucodonozor: Ó rei, vive eternamente. Tu, ó rei, fizeste um decreto, pelo qual todo homem que ouvisse o som da trombeta, da flauta, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles, e de toda a sorte de música, se prostraria e adoraria a estátua de ouro; e qualquer que não se prostrasse e adorasse seria lançado numa fornalha de fogo ardente. Há uns homens judeus, que tu constituíste sobre os negócios da província de Babilônia: Sadraque, Mesaque e Abednego; estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; os teus deuses não servem, nem adoram a estátua de ouro que levantaste.” Daniel 3:8-12.
Uma vez mais, tal como no capítulo 1º capítulo, os hebreus distinguem-se pelo seu comportamento de contra corrente. O texto não especifica onde eles são e nem o que eles fazem para marcar a sua resistência. Ou eles ficaram nas suas casas e portanto são os únicos ausentes em Dura, ou então, estão presentes e colocam-se em destaque pelo facto de não se colocarem de joelhos como todos os outros. Eles são únicos na multidão. O capítulo só realça os três hebreus. Nada é dito a propósito de Daniel e dos outros hebreus. É muito provável que o número dos resistentes não se limita a estes três: Sadraque, Mesaque e Abednego.
O texto faz uma pequena referência “se chegaram alguns homens caldeus, e acusaram os judeus.” (Dan. 3:8,12). Uma evidência dos caldeus se centrarem nestes três homens é por estes terem recentemente sido nomeados administradores de Babilónia. Esta escolha, os caldeus nativos da região e pretendendo para eles tal privilégio não suportaram de bom grado. Por detrás do seu zelo religioso e administrativo esconde-se a inveja mórbida. O seu fervor psedo-religioso não é de inspiração pelo cuidado sincero de manter o culto e a adoração ao seu deus. Trata-se de uma ambição desmesurada que os anima.
Tal evidência releva dos três argumentos que apresenta e que se centram no rei e não no deus. “Há uns homens judeus, que tu constituíste sobre os negócios da província de Babilônia: Sadraque, Mesaque e Abednego; estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; a teus deuses não servem, nem adoram a estátua de ouro que levantaste.” (Dan. 3:12). O seu comportamento é mais de carácter politico do que religioso. O que lhes interessa não é tanto o facto de eles não se curvarem diante da estátua mas o de pôr em causa a estes judeus e aceder deste modo aos lugares que lhes foram atribuídos.
A expressão aramaica utilizada para traduzir a acusação é em si mesmo sugestiva: “comer os judeus” (v.8). A calúnia tem semelhanças com o canibalismo. Indo relatar ao rei as fraquezas dos colegas, deseja-se colocar em perigo a sua situação, o seu ganha-pão e mesmo a sua vida. Todos estes conceitos levam a supor o desejo de devorar.
Está escondido numa aparência de zelo da parte dos delatores um perfil assassino que visa nem mais nem menos que a morte do rival, o complô tem este objectivo. É a lição que se colhe desta passagem e da leitura deste texto.
No que diz respeito a Daniel, um dos governadores, um “sátrapa”, é superior a eles na ordem hierárquica, e por consequência fora do alcance destes espias. A sua alta posição o excluía de ser posta em causa a sua integridade. O complô estava montado por “alguns homens caldeus” (v. 8). Os sátrapas não estão implicados nesta traição.
Por outro lado, é bem possível que por esta altura as responsabilidades de Daniel o tenham levado para longe deste lugar. Nas últimas palavras do capítulo 2, somos alertados que “Daniel permaneceu na corte do rei.” (2:49). Esta é uma expressão que nos dá ideia das altas responsabilidades desempenhadas por Daniel (ver Deuteronómio 16:2; Rute 4:12; Ester 3:2), a tradição judaica conserva a interpretação que esta linguagem significa que Daniel poderia estar em qualquer parte do império em representação do próprio rei. No contexto percebe-se que esta frase é idiomática no Talmud para designar um escravo que está longe do seu mestre (Erubin 72ª).
Daniel estava fora do alcance deles pela sua posição administrativa, mas também em termos geográficos. Por aquilo que possa representar todos os outros hebreus, os caldeus preferiram nada dizer. Se um grande numero fosse envolvido, o rei teria muito provavelmente desvalorizado a situação. Portanto, a melhor táctica para conseguir os seus fins era de manter alguma modéstia. Assim os caldeus centraram-se nestes três hebreus, até porque eram os únicos colegas directos e por consequência os únicos que verdadeiramente lhes interessava. Limitando-se a estes três, os caldeus asseguravam a eficácia do seu plano.
“A maior batalha que se trava contra o mal só é vencida por aqueles que se exercitam na disciplina moral e se acastelam em um caráter bem formado.” Jean de la La Bruyère.
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