"Olhei, e eis uma nuvem branca, e sentado sobre a nuvem
um semelhante ao filho do homem, tendo na cabeça uma coroa de ouro e na mão uma
foice afiada. Outro anjo saiu do santuário, gritando em grande voz para aquele
que se achava sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a
hora de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu! E aquele que estava
sentado sobre a nuvem passou a sua foice sobre a terra, e a terra foi
ceifada." (Apoc. 14:14-16).
Esta representação simbólica da segunda vinda de Cristo como
Rei e Juiz da terra une duas cenas separadas dos juízos de Deus no Antigo
Testamento. As frases, "nuvem branca" sobre a qual está sentado
"um semelhante ao Filho do Homem", são frases adoptadas da cena do
juízo mencionado em Daniel 7.
O chamado para segar a terra com uma "foice aguda"
está tomada diretamente da cena do juízo de Joel 3. A ordem que dá o anjo,
"toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar, visto que a seara
da terra já amadureceu!" (Apoc. 14:15), é uma expansão deliberada de Joel
3:13.
A fusão das profecias anteriores de juízo demonstra que João
considerava estas predições hebraicas como complementares uma da outra. Com
engenho criador em Apocalipse 14, João estrutura o conceito do juízo em torno
de Cristo como Juiz de toda a humanidade, que é uma reinterpretação
cristocêntrica do juízo que primeiro foi introduzido por Jesus:
"Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com
grande poder e glória. E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos
quatro ventos, da extremidade da terra até à extremidade do céu" (Mar.
13:26, 27; cf. Mat. 24:30, 31).
Durante a audiência no tribunal diante do sumo-sacerdote
Caifás, Jesus declarou sob juramento que ele era na verdade o Messias e por
conseguinte o Juiz final: "Desde agora, vereis o Filho do Homem assentado
à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu" (Mat. 26:64). O
que Jesus predisse está descrito visualmente em Apocalipse 14:14. A frase
" como o Filho de homem" (BJ) não é tirada dos Evangelhos, e sim
diretamente de Daniel 7:13, o que indica claramente que a visão do juízo de
Daniel 7 é o antecedente imediato de Apocalipse 14:14. É um descobrimento de um
significado fundamental entender que Daniel 7 e Apocalipse 14 se relacionam
entre si como verdade
profética e verdade presente! O assunto essencial nesta revelação
progressiva é o cumprimento cristológico da profecia messiânica de Daniel (Dan.
7:13, 14; Apoc. 14:14; também 1:7, 13).
Esta declaração de Jesus foi uma afirmação chocante para o sumo-sacerdote
(Mat. 26:64) e inclusive para os próprios apóstolos de Jesus (24:30, 31). A
visão do juízo de João em Apocalipse 14 confirma a nova revelação de Jesus como
uma verdade
sempre presente para a igreja de
todos os tempos.
A sequência de Daniel dos acontecimentos históricos no
capítulo 7 também se repete em Apocalipse 13 e 14: perseguição, juízo, reino
messiânico. Assim como o reino de Deus incluía o seu direito a julgar a todos
os homens, assim também o reino de Cristo (a "coroa de ouro" real)
está unida com o juízo final (a "foice aguda"). João Batista
descreveu a vinda do Messias de Israel como uma colheita que separa o trigo da
palha:
"Na sua mão tem a pá, e limpará a sua eira, e recolherá
no celeiro o seu trigo, e queimará a palha com fogo que nunca se apagará"
(Mat. 3:12).
Esta linguagem figurada indica que o juízo messiânico
proporciona redenção aos santos. Serão reunidos como o trigo no celeiro eterno
de Deus. J. M. Ford explica a colheita de Apocalipse 14 de acordo com isto:
"Portanto, esta colheita [a de Apoc. 14:14-16] é uma colheita de proteção
em lugar de destruição e por conseguinte, segue naturalmente depois da
exortação dos santos (vs. 12, 13)".1
Apocalipse 14 começou com os 144.000 companheiros do
Cordeiro como as "primícias" para Deus (Apoc, 14:4). O capítulo conclui
com uma visão da colheita total da humanidade. O anjo indica que "a seara
da terra já amadureceu" (v. 15). Uma questão muito importante é: O que foi
que causou a maturação mundial de maneira que toda a terra está pronta para a
colheita? A resposta pode encontrar-se na proclamação eficaz da tríplice
mensagem, habilitado pelo Espírito Santo que iluminará toda a terra, tal como
se descreve em Apocalipse 18:1-5. Uma pregação universal do evangelho assim,
como a voz de Elias, converterá toda a terra num "Monte Carmelo", num
"vale de Josafá" ou "vale da decisão" (Joel 3:12, 15).
Na parábola do joio (Mat. 13:36-43), Jesus ampliou o campo
até lhe dar uma extensão universal:
"O campo é o mundo, a boa semente são os filhos do
Reino, e o joio são os filhos do Maligno. O inimigo que o semeou é o diabo; e a
ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos" (vs. 38, 39).
Depois Jesus enfatizou a separação final entre os ímpios e
os justos com respeito a seu destino eterno:
A visão do juízo de Apocalipse 14:14-20 serve como a
confirmação dramática da parábola do joio de Jesus. A visão da grande colheita
de uvas em Apocalipse 14:17-20 amplia a descrição da colheita de uvas em Joel
3:13 e a volta a definir como um juízo que está centrado em Cristo.
"Então, saiu do santuário, que se encontra no céu,
outro anjo, tendo ele mesmo também uma foice afiada. Saiu ainda do altar outro
anjo, aquele que tem autoridade sobre o fogo, e falou em grande voz ao que
tinha a foice afiada, dizendo: Toma a tua foice afiada e ajunta os cachos da
videira da terra, porquanto as suas uvas estão amadurecidas! Então, o anjo
passou a sua foice na terra, e vindimou a videira da terra, e lançou-a no
grande lagar da cólera de Deus. E o lagar foi pisado fora da cidade, e correu
sangue do lagar até aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos
estádios"
A chave para revelar esta visão em clave é recuperar os
antigos oráculos. Esta tabela revela um paralelo surpreendente de temas e
imagens entre Joel 3 e Apocalipse 14. Ambas as profecias contêm uma convocação
divina a todas as nações para aparecer ante o tribunal de Deus (Joel 3:9-12; Apoc.
14:6, 7). Ambas apresentam as acusações legais no pleito de Deus (Joel 3:2-6;
Apoc. 14:8). Ambas descrevem a liberação do povo do remanescente fiel sobre o
monte Sião (Joel 2:32; 3:16; Apoc. 14:1-5, 12). Ambas predizem a condenação dos
inimigos perseguidores nos vales ao redor do monte Sião (Joel 3:2, 12; Apoc.
14:20).
Podemos aprender três lições importantes deste progressivo
desdobramento de Joel 3 em Apocalipse 14, lições que nos ensinam de que maneira
o evangelho de Cristo estabelece o cumprimento do tempo do fim que Joel
profetizou.
A) Primeiro, notamos que o Juiz já não é Jeová e sim o
Messias Jesus. Como o Filho do Homem de Daniel 7:13 e 14, Cristo é o Rei
("coroa") e o Juiz (a "foice"), quem executa os veredictos
do tribunal celestial. Apocalipse 14:14 mostra o cumprimento cristológico do tempo
do fim de Joel 3. O segundo advento de Cristo introduz o tempo da ceifa da
terra.
B) Segundo, o remanescente fiel de Israel, reunido no monte
Sião na cidade santa (Joel 2:32; 3:16), é redefinido pelos apóstolos como
crentes no Senhor Jesus (ver At. 2:21; 9:14, 21; Rom. 10:13) e em Apocalipse
14:1-5 como os seguidores do Cordeiro, a igreja fiel do tempo do fim, o que na
ciência teológica se chama o cumprimento eclesiológico (de "igreja",
gr. ekklesia). O evangelho de Cristo tirou as restrições nacionais do povo do
antigo pacto. A igreja de Jesus é uma comunidade de fé universal, a que Paulo
chama "linhagem de Abraão" (Gál. 3:26-29) e "o Israel de
Deus" (6:16; cf. Heb. 12:22-24).
C) Terceiro, o vale de Josafá ao redor do monte Sião em Joel
3:2, 12 e 14, em Apocalipse 14 se amplia a toda a terra. Esta extensão em
escala mundial se mostra de modo inconfundível pela repetição intencional (6
vezes) do termo "a terra" (3 vezes para a ceifa da colheita e 3 vezes
para a colheita de uvas, Apoc. 14:15, 16, 18, 19). Este aumento mundial do vale
local de Joel se chama o cumprimento universal. João retém no Apocalipse a
velha linguagem figurada da cidade de Sião do Oriente Médio (como em Heb.
12:22-24), mas pelo evangelho desaparecem as restrições geográficas e étnicas.
Tal é o efeito transformador do evangelho do novo pacto.2
O "grande lagar da ira de Deus" está situado
explicitamente "fora da cidade" (Apoc. 14:19, 20). Só pelo
antecedente da descrição de Joel podemos saber, com certeza, que esta
"cidade" de refúgio é a cidade santa onde o Deus de Israel libera a
seus verdadeiros adoradores (ver Joel 2:32 e Apoc. 14:1).
O lagar apocalíptico de Apocalipse 14 corresponde com o
lagar de Joel 3 que o descreveu como "cheio, os seus compartimentos
transbordam, porquanto a sua malícia é grande" (Joel 3:13). Joel já tinha
dado ao lagar uma aplicação moral com respeito aos ímpios perseguidores que
estavam sob o processo de acusação do Deus do pacto de Israel (3:2-6).
Declarou-os amadurecidos para o juízo de Deus, e Joel apresenta a Jeová como o
executor de seu veredicto:
"Congregarei todas as nações e as farei descer ao vale
de Josafá [o nome significa "Jeová julga"]; e ali entrarei em juízo
contra elas por causa do meu povo e da minha herança, Israel, a quem elas
espalharam por entre os povos, repartindo a minha terra entre si" (Joel
3:2).
A acusação de Deus contra as nações foi a crueldade com que
trataram a seu povo do pacto (Joel 3:3, 6). Não obstante, o objetivo final do
juízo sobre os ímpios foi mais que uma exibição de justiça. Hans Walter Wolff
comenta sobre Joel 3:17 "O reconhecimento de Jeová como o Deus do pacto de
Israel é o objetivo final dos atos de Jeová com respeito ao mundo das
nações".3
A mesma alegação de crueldade contra o povo de Deus que
aparece em Joel, renova-se no Apocalipse contra Babilónia (Apoc. 16:5, 6; 17:6;
18:20, 24; 19:2), mas desta vez os santos são os seguidores do Cordeiro, e
Cristo será seu vindicador e libertador (17:14; 19:11-21).
O pisar do lagar era um símbolo profético para ilustrar o
juízo de condenação de Deus (ver Isa. 63:2-6; Jer. 25:30, 33). Isaías comparou
Edom e Israel a uma vinha que seria pisoteada pelo juízo de Deus (Isa. 5:1-7;
ver também Sal. 80:8, 12, 13, 16). A visão de Apocalipse 14:14-20 está mais
ampliada na visão da segunda vinda de Cristo em Apocalipse 19:11-21. Esta visão
ampliada mostra como o Messias real pisará "o lagar do vinho do furor e da
ira do Deus Todo-poderoso" (Apoc. 19:15). Esta missão final de juízo que
leva a cabo Cristo se descreve simbolicamente por sua roupa "tinta em sangue"
(Apoc. 19:13; cf. Isa. 63:3).
É instrutivo comparar as duas visões da segunda vinda de
Cristo em Apocalipse 14:14-16 (sobre uma nuvem) e em 19:11-21 (sobre um cavalo
branco). Evidentemente o ponto em questão destas visões não é apresentar um
quadro fotográfico da segunda vinda a não ser ensinar uma verdade fundamental
sobre o juízo: Cristo retornará para cumprir todas as profecias hebreias do
juízo final e para separar aos que são seus filhos dos que têm que perecer.
Apocalipse 14 termina com a assombrosa declaração de que o
sangue que sai do lagar "fora da cidade" chega "até os freios
dos cavalos, por mil e seiscentos estádios" (Apoc. 14:20). De novo, esta é
uma linguagem simbólica hebraica com uma mensagem clara. A sabedoria requer uma
compreensão do significado básico dos números apocalípticos. Assim como
Apocalipse 14 começa com uma cifra (144.000), assim também termina com outra
cifra (1.600). Ambas as passagens (vs. 1, 20) formam contrapartes simbólicas
que descrevem destinos opostos para os justos e para os ímpios. O verdadeiro
Israel está com o Cordeiro sobre o Monte Sião dentro da cidade de Deus, e os
perseguidores ímpios estão reunidos fora da cidade.
Dessa maneira, Apocalipse 14:1 e 20 amplia a linguagem
figurada de Joel 2:32 e 3:1-16. Assim como a cifra 144.000 para o Israel
espiritual revela seu significado teológico por meio de seu número chave, o 12,
assim a cifra simbólica 1.600 revela seu significado por meio do número chave
4. "Quatro" simboliza os quatro ângulos da terra (ver Apoc. 7:1;
20:8), os quatro limites da terra (Isa. 11:12), ou os quatro ventos ou direções
da bússola (Mat. 24:31). A multiplicação do número 4 em Apocalipse 14:20 aponta
exaustivamente ao território universal do campo de batalha, em harmonia com a
predição do Jeremias: "E serão os mortos do Senhor, naquele dia, desde uma
extremidade da terra até à outra" (Jer. 25:33).
A importância primitiva da segunda vinda de Cristo, como a
culminação da guerra mundial contra seus servos fiéis, amplifica-se nas visões
ulteriores de Apocalipse 15 a 19. O desenvolvimento progressivo do
"Armagedom" nos capítulos 16:13-16, 17:12-14 e 19:11-21, amplia a
importância decisiva do poder salvífico e do poder consumidor da segunda vinda
de Jesus Cristo. Voltando a extrair seus conceitos das descrições vívidas do
idioma profético hebraico, a última visão que João teve do segundo advento
descreve a Cristo vindo com um exército invencível do céu:
"E seguiam-no os exércitos que há no céu, montando
cavalos brancos, com vestiduras de linho finíssimo, branco e puro. Sai da sua
boca uma espada afiada, para com ela ferir as nações; e ele mesmo as regerá com
ceptro de ferro e, pessoalmente, pisa o lagar do vinho do furor da ira do Deus
Todo-Poderoso. Tem no seu manto e na sua coxa um nome inscrito: REI DOS REIS E
SENHOR DOS SENHORES" (Apoc. 19:14-16).
Hans K. LaRondelle
Referências
1 J. M. Ford, Revelation, p. 250.
2 Para um estudo mais profundo do cumprimento territorial
das promessas feitas ao Israel, ver LaRondelle, O Israel de Deus na Profecia,
cap. 9.
3 Wolff, Joel and Amos, p. 81 (o itálico é meu).
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