
"Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a
primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova
Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada
para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o
tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de
Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a
morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as
primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que
faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são
fiéis e verdadeiras. Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ómega,
o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da
vida. O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será
filho. Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos
assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os
mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a
saber, a segunda morte" (Apoc. 21:1-8).
Esta visão de João continua a série de visões
("Vi") que começaram com a do segundo advento em Apocalipse 19:11.
Alguns inclusive consideram Apocalipse 21:1-8 como "a parte mais
importante de seu livro".1 Apocalipse 20 e 21 estão unidos por muitos
elos. Ambos falam de "céu e terra" (20:11; 21:1), do "mar"
(20:13; 21:1), do "livro da vida" (20:12; 21:17), do
"trono" de Deus (20:11; 21:3), da "segunda morte" (20:14;
21:8) e do "lago de fogo" (20:15; 21:8). Estas conexões confirmam que
a visão da Nova Jerusalém é a culminação da longa cadeia de visões que aparecem
em Apocalipse 19:11 a 21:8. Em outras palavras, a visão de "um novo céu e
uma terra nova" (21:1) segue à segunda vinda de Cristo (19:11-16) e ao milénio.
A descida da presença constante de Deus sobre a terra
renovada é o propósito do plano de Deus e de seus juízos sobre a humanidade
pecadora. Por conseguinte, a visão de Deus morando com os homens em Apocalipse
21:1-8 forma o ponto culminante de todas as visões anteriores de João, e a
consumação da esperança dos mártires. Roy Naden diz bem. "Sob a inspiração
do Espírito Santo, os dois últimos capítulos de seu livro [o de João] formam o
cântico mais sublime".2
Agora João recebe visões repetidas da Nova Jerusalém (Apoc.
21:1-8, 10-27; 22:1-6), que revelam progressivamente o esplendor da cidade de
Deus. O fato de que João volta a ouvir a voz de Deus desde seu trono ordenando
que escrevesse palavras que são "fiéis e verdadeiras" (21:5) é
significativo. Desta maneira Deus autentica a veracidade do que João viu. As
palavras de Deus estão formuladas nas promessas do Antigo Testamento que eram
familiares ao povo de Israel. João usa estas alusões para enfatizar a
continuidade do pacto de Deus. Destaca seu cumprimento repetindo sete vezes que
Deus e o Cordeiro estão unidos inseparavelmente com a Nova Jerusalém (21:9, 14,
22, 23, 27; 22:1, 3). Desse modo João informa a igreja que as suas visões da
Nova Jerusalém são em essência diferentes das esperanças nacionais judaicas de
seu tempo. Sua esperança futura se centraliza em Cristo Jesus e em seu povo
universal.
Ao adotar a linguagem gráfica de Isaías e Ezequiel, João
descreve "a realidade indescritível do céu... o quadro mais detalhado que
alguma vez se deu na Escritura da realidade incomparável que Deus preparou para
seus filhos".3
O Significado
Religioso de Jerusalém no Antigo Testamento
Os nomes de Jerusalém e o monte Sião são usados em forma sinónima
no Antigo Testamento (ver Miq. 3:12; 4:8; Isa. 10:12). Jerusalém devia sua
santidade ao traslado que fez Davi da arca de Jeová, o símbolo do trono de Deus
ao monte Sião (2 Sam. 6; Sal. 132:13-16). Sião funcionou como o centro da
inspiração, salvação e adoração divinas (vejam-se os salmos 46, 48, 76). O
Salmo 46 não glorifica a Jerusalém em si, exceto como o lugar onde Deus mora:
"Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem
presente nas tribulações... Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de
Deus, o santuário das moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela; jamais será
abalada; Deus a ajudará desde antemanhã" (Sal. 46:1, 4, 5).
O Salmo 46 termina com uma perspectiva escatológica da
majestade de Deus:
"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado
entre as nações, sou exaltado na terra" (Sal. 46:10).
Espraiando-se sobre esta esperança paradisíaca, o salmista
descreve a Jerusalém em termos ideais: "Há um rio, cujas correntes alegram
a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo" (Sal. 46:4). Como
pôde o salmista dizer que Jerusalém tinha um "rio" quando não possui
nenhum arroio, exceto um pequeno manancial perto de Giom? (ver 1 Reis 1:33,
38). Sua visão percebeu o tempo de salvação messiânico.
Vários profetas também descreveram a Jerusalém escatológica
como possuindo uma correnteza no marco do paraíso restaurado (ver Isa. 33:21;
35:6, 7; Joel 3:18; Ezeq. 47:1-12; Zac. 14:8). Dessa maneira, a cidade
histórica de Davi chegou a ser na "teologia de Sião" de Jerusalém um
símbolo da esperança escatológica, um tipo profético do reino messiânico. Dois
profetas fizeram de Jerusalém a parte central de seu panorama futuro e portanto
merecem nossa atenção.
Ezequiel mostrou que Deus não estava atado
incondicionalmente a Jerusalém, mas sim a julgaria por sua apostasia religiosa,
moral e social (Ezeq. 8-11). Deus abandonaria o templo e voltaria só para um
Israel renovado moralmente (36:24-28; 37:26, 27), promessa que se amplia na
descrição do novo templo em Ezequiel 40 a 48. Esse templo da visão de Ezequiel
é de origem divina. É "uma realidade celestial criada pelo próprio Jeová e
transplantada para permanecer na terra".4 Virá à terra só quando o Israel
de Deus seja purificado e quando o Messias tenha vindo a Israel (37:24, 25). A
característica do novo templo será um rio doador de vida fluindo debaixo do
templo (47:1-12). Este característico forma um elo com o jardim do Éden (ver
Gên. 2:8-14).
Isaías viu, em sua perspectiva profética, como os gentios
irão à Nova Jerusalém com a confissão religiosa: "Só contigo está Deus, e
não há outro que seja Deus" (Isa. 45:14; cf. 1 Cor. 14:25). Tudo estará
unido por sua fé messiânica antes que por laços étnicos ou políticos. Isaías
emprega os símbolos das pedras preciosas e jóias resplandecentes para descrever
a beleza de seus muros e portas (Isa. 54:12), desenho que evoca a volta da
opulência paradisíaca (ver Ezeq. 28:11-15; Isa. 51:3). Embora isto assinala a
uma qualidade transcendente da Nova Jerusalém, não há indicação em Isaías de
que esta cidade tem uma origem extraterrestre. Sua glória sobrenatural emana da
presença de Deus. A essência de seu atrativo único não é tanto sua beleza
externa como a promessa de que Jeová voltará e de novo estará unido com seu
povo (Isa. 60:1, 2, 19; 62:11 ).
Portanto, a cidade recebe um nome novo (Isa. 62:2). Já não
necessitará mais a luz do sol ou a da lua, porque "o Senhor será a tua luz
perpétua, e o teu Deus, a tua glória" (60:19; cf. Apoc. 21:23; 22:5).
Isaías mescla seu conceito da Sião do tempo do fim com seu motivo de uma nova
criação usando as cores realistas de um paraíso terrestre (Isa. 65:17-25).
Embora tenha anunciado mais explicitamente que nenhum outro profeta a criação
de "novos céus e terra nova" (v. 17), esta descrição poética da
Jerusalém renovada permanece em continuidade com o contexto histórico (v. 20).
Permanece como uma realidade terrestre embora transformada. Sua bênção mais
rica não será a longevidade ou a prosperidade, a não ser a presença de Jeová
para responder suas orações (v. 24). Mas também estará presente o Messias,
porque terá