12 de julho de 2009

EM QUE DIA MORREU JESUS: A CRONOLOGIA DE JOÃO

A bem da verdade, a contradição existente entre a cronologia dos Sinópticos e a do Evangelho de João é apenas aparente e pode ser desfeita mediante uma leitura mais atenciosa do texto joanino.
Embora se diga que os judeus não quiseram entrar “no pretório para não se contaminarem, mas poderem comer a Páscoa”, o texto nada diz quanto ao dia exacto em que o cordeiro pascal foi imolado. Além disso, essa afirmação não precisa ser interpretada, necessariamente, como uma indicação de que a ceia pascal ainda não tivesse sido realizada. Ocorre que, na época de Jesus, todo o período dos Pães Asmos já era naturalmente conhecido como a Festa da “Páscoa”. Exemplo desse uso se observa no Evangelho de Lucas: “Estava próxima a Festa dos Pães Asmos, chamada Páscoa.” Lucas 22:1. Os judeus poderiam estar preocupados não com a celebração da ceia pascal, mas com outras refeições cerimoniais que eram realizadas durante aquele período festivo. Outra possibilidade seria a de que os líderes judaicos não teriam celebrado a ceia pascal no tempo determinado pela Lei – que, no caso, teria sido a noite de Quinta-feira – já que estavam empenhados na caçada a Jesus. Por isso, teriam deixado para celebrá-la um dia depois, na noite de 15 para 16 de Nisan. Seja qual for o motivo que determinou o comentário de João, a passagem em análise é insuficiente para destruir a sólida cronologia esboçada em Mateus, Marcos e Lucas.
O mesmo é verdade com respeito a João 19:14, que denomina a Sexta-feira da crucifixão de “preparação da Páscoa”. A palavra “preparação” é tradução de (paraskeue), que no grego bíblico é o termo comummente utilizado para denominar a Sexta-feira como dia de preparação para o Sábado. A base dessa expressão se encontra em Êxodo 16:22-30. Portanto, quando João fala do dia da morte de Jesus como a “parasceve da Páscoa”, sua intenção era simplesmente a de retratar aquele dia como uma Sexta-feira dentro da semana dos Pães Ázimos e não como o dia 14 de Nisan.
Resta analisar ainda o sentido da expressão “Sábado grande” (grego: – megale he hemera ekeinou tou sabbatou; tradução: grande o dia daquele Sábado). Afirmar que aquele Sábado foi chamado de “grande” por causa da combinação de um Sábado semanal com um Sábado cerimonial (no caso, o 15 de Nisan) é extrair do texto mais do que ele pode oferecer. A expressão só ocorre uma vez em toda a Bíblia, impedindo, assim, que se verifique seu real significado; e adoptar como certa uma posição sem considerar outras possibilidades de interpretação é cometer uma arbitrariedade exegética. Poderia ser o caso, por exemplo, daquele Sábado ser chamado de “grande” por estar inserido na semana da Festa dos Pães Ázimos, sem, contudo, ser uma combinação de um sábado semanal com um Sábado cerimonial. Outra interpretação possível seria a de um Sábado cerimonial (Sexta-feira = 15 de Nisan) seguido por um Sábado semanal. Isso faria com que o período de descanso se prolongasse por 48 horas. No estágio actual, não há como determinar o verdadeiro sentido da expressão joanina.
Diante do que foi exposto, seria um contra-senso substituir a clareza e o vigor da cronologia dos Sinópticos pelas expressões incertas e rarefeitas extraídas do Evangelho de João. Como ficou demonstrado, é possível interpretar as declarações joaninas em mais de um sentido, o que não se admite em Mateus, Marcos e Lucas.

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